Lúpus: sintomas à flor da pele

data de publicação10 Maio 2021 autor do artigo
Susana Fernandes  |  Reumatologista

O lúpus é uma doença autoimune, crónica, para a qual não existe cura. Também denominado lúpus eritematoso sistémico (LES), afeta sobretudo mulheres na idade fértil. No entanto, pode também surgir durante a menopausa, após uma infeção viral, em consequência da exposição solar ou mesmo derivado da toma de determinados medicamentos.

Fique a conhecer a doença, diagnóstico, tratamentos e cuidados especiais que as pessoas com lúpus devem adotar no dia a dia de forma a prevenir crises e a garantir uma melhor qualidade de vida.

 

O que é o lúpus

Por alguma razão ainda desconhecida para a Ciência Médica, o sistema imunitário ataca os tecidos do corpo, provocando inflamações que desencadeiam dores nas articulações, fadiga, manchas na pele, problemas renais e alterações no sistema nervoso, entre outras consequências. Por isso classifica-se o lúpus como uma doença autoimune.

Além disso, os sinais e sintomas do lúpus não são constantes, caracterizando-se por crises (recidivas) intercaladas por uma remissão dos sintomas. Porém, a natureza sistémica do lúpus pode afetar vários órgãos do corpo, desde a pele, sistema músculo-esquelético, células e vasos sanguíneos, pulmões, coração, rins e sistema nervoso. Por essa razão, o lúpus é uma doença cujo diagnóstico envolve várias especialidades médicas, com particular destaque para a Reumatologia, incluindo muitas vezes também a Dermatologia ou a Pneumologia, entre outras.

 

Quem tem maior probabilidade de ter lúpus?

O lúpus afeta sobretudo mulheres. De facto, é nove vezes mais frequente nas mulheres do que nos homens, e nestas, mais frequente na idade fértil. Pensa-se que possa existir uma influência de fatores hormonais, como os estrogénios, conjugados com uma maior predisposição genética para a doença.

Por outro lado, o lúpus não é uma doença hereditária, ou seja, não passa obrigatoriamente de pais para filhos. No entanto, é observada uma maior prevalência em familiares com outras doenças autoimunes, como por exemplo a tiroidite autoimune.

 

Formas principais da doença

São conhecidos dois tipos: cutâneo e sistémico. O lúpus cutâneo manifesta-se por manchas nas áreas mais expostas à luz do sol, como o rosto, orelhas ou braços. O lúpus sistémico, como o próprio nome indica, afeta sistemas e órgãos do corpo. A gravidade dos sintomas e a sua localização pode variar de pessoa para pessoa, dependendo da quantidade e do tipo de anticorpos presentes nos órgãos afetados.

Há outra forma de lúpus decorrente da suscetibilidade a determinados medicamentos. Na maioria dos casos a suspensão da toma desses fármacos resulta na resolução do problema.

 

Sintomas oscilantes

A intensidade, localização e gravidade dos sintomas variam de caso para caso e ao longo do tempo. Geralmente, manifestam-se de forma intermitente, apesar desta ser uma doença crónica.

Entre os sintomas mais comuns inclui-se:

  • Febre
  • Manchas na pele
  • Vermelhidão no nariz, maçãs do rosto, com formas semelhantes às asas de uma borboleta
  • Sensibilidade à luz
  • Alopécia (queda de cabelo)
  • Pequenas feridas na boca e no nariz
  • Dor nas articulações
  • Fadiga, cansaço e mal-estar
  • Dificuldades respiratórias e palpitações
  • Tosse seca
  • Cefaleias
  • Convulsões
  • Depressão e ansiedade
  • Alterações das células do sangue

Outro dos sinais, que apesar de não constituir por si só critério de diagnóstico, é bastante frequente e denomina-se Fenómeno de Raynaud. Consiste numa palidez e/ou tom arroxeado das mãos e por vezes pés, ocorrendo com mais frequência durante o tempo frio.

 

Critérios de diagnóstico

Devido à heterogeneidade de sintomas e às oscilações da sua intensidade, o diagnóstico do lúpus não é linear e pode ser difícil de identificar. No entanto, a Reumatologia é uma especialidades médica preparada para reconhecer os seus sintomas, traçar um diagnóstico e dar início a um tratamento eficaz.

Existe assim um referencial para o diagnóstico do lúpus denominado SLICC (Systemic Lupus International Collaborating Clinics, 2012), que pressupõe a presença de quatro ou mais destes critérios (abaixo mencionados), sendo que pelo menos um terá de ser de caráter imunológico (exceto na presença de biópsia renal positiva):
 

• Lúpus cutâneo agudo • Leucopenia (< 4000) ou Linfopenia (< 1000)
• Lúpus Cutâneo crónico • Trombocitopenia (< 10.000)
• Alopécia (perda de cabelo) não cicatricial • Trombocitopenia (< 100.000)
• Úlceras orais ou nasais • Anticorpo Antinuclear (FAN)
• Doença articular (artralgia, artrite, sinovite) • Anticorpo Anti.dsDNA
• Serosite (pleurite nos pulmões ou pericardite no coração) • Anticorpo Anti-Sm
• Renal (proteinuria maior que 0,5 g/dia OU cilindros hemáticos) • Anticorpos Antifosfolipídeos
• Neurológico (convulsão, psicose, mononeurite multiplex, mielite, neuropatia, estado confusional agudo) • Teste de Coombs Direto Positivo
• Anemia hemolítica • Complemento diminuído (C3, C4 ou CH50)

 

Tratamento farmacológico

A escolha do tratamento para cada caso de lúpus depende do tipo de manifestação da doença. Para a maioria das pessoas, o tratamento permite controlar os sintomas, reduzir a inflamação e ajuda a restabelecer as funções do organismo que possam estar comprometidas.

Os medicamentos que atuam no sistema imunitário são, de maneira geral:

• Anti-inflamatórios
• Corticosteroides (à base de cortisona, como a prednisolona)
• Antimaláricos (hidroxicloroquina)
• Imunossupressores (como a azatioprina, metotrexato, ciclofosfamida e micofenolato de mofetil)

No entanto, a toma de medicamentos deve ser vigiada de forma regular em consultas de Reumatologia. Habitualmente, a frequência destas consultas é mensal quando a doença está ativa ou trimestrais quando o lúpus se encontra em remissão. Devem ser ainda realizadas análises de sangue e urina para avaliar a doença, assim como para evitar o aparecimento de efeitos adversos associados à medicação.

 

Cuidados no dia a dia

Como qualquer doença crónica, o lúpus implica uma disciplina rigorosa na adoção de comportamentos que minimizem o aparecimento de sintomas ou o seu agravamento. Assim, a prática de exercício físico melhora as queixas articulares, enquanto que a cessação tabágica otimiza a resposta dos medicamentos aos sintomas de lúpus.

Outro cuidado particular que as pessoas diagnosticadas com lúpus devem ter é com a exposição solar. Na praia devem permanecer à sombra e sempre protegidos com protetor solar, sobretudo nas horas de maior índice de raios UV (entre as 11h e as 16h). Aliás, a utilização de protetor solar é recomendada sempre que se estiver ao ar livre. A sensibilidade à luz do sol pode desencadear sintomas como erupções cutâneas ou até lesões graves nos órgãos internos.

Por outro lado, não é recomendada a contraceção oral à base de estrogénios, não só porque pode desencadear uma crise, como também aumenta o risco de trombose.

Paralelamente, a adoção de determinados cuidados com a alimentação pode ajudar a prevenir efeitos colaterais da doença ou decorrentes da medicação utilizada para mitigar os sintomas. Nesse sentido, é recomendada uma dieta com:

  • Baixo teor de sal, de modo a prevenir subidas de tensão;
  • Baixo teor de açúcares, para prevenir o aparecimento da diabetes e o aumento de peso;
  • Alimentos ricos em cálcio e com pouca gordura animal, de modo a prevenir a osteoporose, excesso de colesterol e obesidade;
  • Alimentos ricos em vitamina D ou suplementação de vitamina D, devido ao decréscimo de exposição solar, assim como para mitigar eventuais efeitos adversos da toma de antimalários.

 

O lúpus na gravidez e no recém nascido

A maioria das mulheres com lúpus terá de ter precauções suplementares antes de engravidar. Por um lado, a própria gravidez pode espoletar uma crise de lúpus, devendo todas as mulheres com esta patologia ser cuidadosamente acompanhadas por um Obstetra, que deverá trabalhar em conjunto com um Reumatologista. Por outro, é recomendado que a doença esteja controlada e inativa até 6 meses antes de engravidar. Entre as complicações mais frequentes apontam-se o risco de pré-eclampsia e de parto prematuro. Os sintomas de lúpus verificados na gravidez são idênticos aos da doença fora da gravidez.

Outra situação que pode decorrer da gravidez é o lúpus no recém nascido (lúpus neonatal). Esta condição, embora rara, resulta da passagem de anticorpos anti-SSA da mãe para o filho. Estes anticorpos podem estar presentes nas mães com lúpus, assim como em outras doenças reumatológicas como miosites ou no síndrome de Sjorgren. Ao nascer, a criança deverá fazer análises ao sangue e ser acompanhada durante cerca de 6 meses. Até esta idade os anticorpos da criança são os da mãe, passados pela placenta e pelo leite materno. Após os 6 meses, a criança deverá produzir anticorpos “próprios” e desenvolver a sua imunidade de modo autónomo, não deixando, na maioria dos casos, sequelas de maior.

Em conclusão, se a grávida for vigiada e mantiver a medicação com hidroxicloroquina, o risco de lúpus neonatal diminui de modo significativo.

 

Importância da vigilância médica

Há várias décadas o lúpus era considerada uma doença terminal. Hoje, o acompanhamento médico das crises e controlo dos sintomas pela medicação, adjuvado pela adoção de comportamentos saudáveis de quem vive com lúpus, permite viver uma vida normal e com qualidade.

Para tal é fundamental ser seguido numa Consulta de Reumatologia, não só para obter um diagnóstico correto e adequado ao seu caso, como também para manter os sintomas da doença inócuos e controlados.

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Autor do artigo

Susana Fernandes

Reumatologista