Doenças Reumáticas: como reduzir o impacto da insuficiência articular

data de publicação12 Outubro 2021 entrevista a
Luís Cunha Miranda  |  Reumatologista

As doenças reumáticas são um dos quadros clínicos que mais afetam a qualidade de vida das populações. Em Portugal, mais de metade da população tem sintomas ou foi diagnosticada com uma doença reumática, ainda que apenas 22% tenha acesso a um diagnóstico final. A sensibilização das populações e sociedade em geral para o impacto de patologias como a lombalgia, osteoartroses, osteoporose ou tendinites, citando algumas das mais prevalentes, é fundamental. Estão identificadas mais de 200 doenças reumáticas que, se não forem controladas, podem conduzir a uma situação de insuficiência articular.

O Dr. Luís Cunha Miranda, Reumatologista na Cintramédica e Ex-Presidente da Sociedade Portuguesa de Reumatologia, ajuda-nos a perceber o impacto destas doenças no quotidiano de milhões de pessoas e quais as medidas fundamentais para promover o direito a uma vida sem dor e com qualidade.

 

Qual o impacto das doenças reumáticas na qualidade de vida das pessoas?

As doenças reumáticas são das doenças com maior impacto, não só na qualidade de vida, mas também no trabalho e no quotidiano. Todos temos noção do que é ter uma dor articular, de nos doer um joelho ou um dedo. Agora se multiplicarmos isso por todos os dias e por muitas articulações, percebemos o impacto que isso poderia ter situações tão simples como vestir, comer, lavar os dentes, tomar conta dos filhos, ou no trabalho. São doenças terríveis que, infelizmente, não têm devida valorização social do seu real impacto.
 

 

Porque acha que essa valorização não existe?

As doenças reumáticas deveriam ser uma prioridade de saúde pública, mas não o são porque as pessoas não reivindicam o direito a uma vida sem dor para elas próprias. Considero os meus doentes como sendo pessoas heróicas, que conseguem viver, apesar das dores e das dificuldades, e que nem sempre reclamam o que lhes é de direito. Além dos efeitos na saúde, estas doenças têm também um impacto no trabalho, no absentismo, nas reformas antecipadas, impacto esse que ultrapassa os 1000 milhões de euros anuais em termos de custos. E nem sempre se entende isso como uma prioridade. 

 

Considera que são desvalorizadas devido ao facto da dor ser um dos principais sintomas?

A sociedade, de maneira geral, desvaloriza as doenças reumáticas porque não são doenças que matam e porque um dos principais sintomas é a dor, que é algo que não é visível. As pessoas desconhecem a intensidade e o que as pessoas sofrem e, por isso, desvalorizam. A própria forma como somos educados favorece uma tendência a desvalorizar a dor. Como se se arranjassem “desculpas” para a dor. Esse é o principal facto que deve, logo à cabeça, ser desmistificado. A dor que se prolonga, sem causa nenhuma, e que envolva uma ou várias articulações, tem sempre de ser investigada. E pode ser investigada, inicialmente, pelo médico de Medicina Geral e Familiar ou diretamente pelo Reumatologista. 

 

Que comportamentos saudáveis destacaria para minimizar o impacto das doenças reumáticas?

Primeiro a prevenção das próprias doenças reumáticas, ou seja, o trabalho muscular, o cuidado com o excesso de peso e com as posturas, assim como com as cargas excessivas. Depois devemos começar a falar mais sobre insuficiência articular, ou seja, evitar que as articulações se tornem insuficientes, como acontece na artrose do joelho ou da anca, nas quais pode ocorrer uma progressão da artrose que obriga à intervenção de um Ortopedista e que se torne obrigatório colocar uma prótese do joelho ou da anca.

Há questões fundamentais, como o excesso de peso, a falta de exercício físico, a falta de trabalho muscular, de modo regular, e as questões relacionadas com o desgaste do dia a dia. Antigamente as cargas e os pesos eram uma preocupação. Hoje são as posturas ao computador, nos tablets e telemóveis, tudo comportamentos que têm grande impacto na vida das pessoas e no prognóstico em termos de doença reumática. 

 

As doenças reumáticas têm uma componente crónica. Nesse sentido, qual a importância do diagnóstico precoce?

É fundamental. Sabemos hoje que se intervirmos precocemente numa artrite reumatoide, num lúpus, numa espodilite anquiolosante, numa espondilartrite, temos muito melhores benefícios e capacidade para que a pessoa não progrida para a incapacidade. Mas não é só fazer o diagnóstico. O seguimento tem de ser feito de modo ajustado e existem regras para esse seguimento que devem ser cumpridas. Nesse sentido, deve ser realizada uma avaliação clínica complementada por análises para vermos a progressão da doença, ou se alguma medicação pode, ou não, afetar algumas dessas situações. Do mesmo modo, devem também ser realizados exames complementares de diagnóstico, de forma periódica e adaptada a cada doença, sendo fundamental que o doente entenda que existem medicações que devem ser feitas de forma muito rigorosa sem quebrar o esquema terapêutico. 

 

E nos casos de pessoas que já estão diagnosticadas, qual a importância de seguir a terapêutica?

Alguns medicamentos podem ser ajustados, nomeadamente os medicamentos para a dor. No entanto, no caso, por exemplo, das artrites, há medicamentos que são estruturais. São os modificadores da doença, e estão na terapêutica porque é mesmo esse o seu efeito: modificam a doença. E quando o doente não os faz, ou os faz de forma irregular, pode, em termos práticos, manter uma doença que está a progredir, mesmo que não se aperceba disso. Falando no caso das artrites ou da osteoporose: se o doente não fizer o tratamento anual, se falhar algumas semanas ao longo do ano, a eficácia do tratamento reduz-se em 50%.

É importante que o doente entenda que, para poder controlar estas doenças, que são incapacitantes, tem de fazer um seguimento, tem de ser visto numa consulta de Reumatologia, e tem, obrigatoriamente, de cumprir um plano terapêutico e de seguimento associado a um plano de vida que melhore as capacidades musculares e articulares e que evite que a doença possa progredir.

 

Com que frequência devem os pacientes ser seguidos em Reumatologia?

Cada doença e cada doente têm o seu tipo de seguimento. Embora haja parâmetros que referem que, por exemplo, no caso das artrites, devem ser seguidos entre 2 em 2 meses até 6 em 6 meses, dependendo do estado da artrite, do controlo da doença e do modo como o doente responde à medicação. Há outras doenças em que a vigilância pode ser de 3 em 3 ou de 4 em 4 meses, e outras em que pode ser anual. É muito variável, depende muito da doença e do doente.

 

Como podem as famílias e cuidadores contribuírem para uma maior qualidade de vida das pessoas com doenças reumáticas?

O papel da família é entender e perceber qual o impacto que estas doenças têm na vida das pessoas e qual a forma como podem ajudar a que a pessoa tenha uma vida o mais próximo possível do normal. E isso é possível! Grande parte das doenças reumáticas, hoje em dia, se estiverem bem controladas, as pessoas têm uma vida muito próximo do que é normal. A família pode contribuir de um modo positivo, promovendo em conjunto o exercício ou uma alimentação mais saudável, assim como no cuidar de pequenas tarefas que são muito difíceis para quem tem uma doença reumática. A família deve ser o suporte e a rede para que a pessoa não caminhe para a incapacidade.

Entrevista a

Luís Cunha Miranda

Reumatologista