Cuide da sua saúde mental em tempos de pandemia

data de publicação09 Outubro 2020 autor do artigo
Luís Ferraz  |  Psicólogo
Dia Mundial da Saúde Mental

Por esta altura, em que assinalamos o Dia Mundial da Saúde Mental, passou cerca de meio ano desde que estivemos trancados em casa para nos protegermos, a nós e aos outros, da ameaça da COVID-19. Ao mesmo tempo, temos sido alertados para a doença do século, a depressão. Muitas vezes aparecem associadas à depressão as alterações do foro ansioso, o que leva a um quadro nada agradável, se bem que frequente.

 

A Pandemia

A pandemia, a COVID, teve imenso jeito em trazer até nós, de forma muito rápida e dirigida, muitos desses sintomas. Pode não ter sido a tempestade perfeita, mas há que lhe reconhecer o mérito, embora não seja só dele. Vejamos. Desde o início do ano que ouvimos falar, com um tom crescentemente ameaçador, de um vírus que se aproxima, com origem na longínqua China.

Ao princípio muitos não faziam caso, mas lá estavam as notícias a recordá-lo. A 2 de Março surge o primeiro diagnóstico em Portugal. Entretanto, em Itália e na vizinha Espanha, os casos iam-se acumulando. Pouco depois começaram as mortes e o aumento galopante de casos, sobretudo nos vizinhos europeus. A comunicação social carregou, assumindo a responsabilidade de divulgar os números, os avanços científicos e as regras que todos deveríamos seguir para nos protegermos.

Não foi meiga na carga emocional dada ao contexto. Subitamente o mundo parecia ter parado e só havia COVID-19, 24 horas por dia, e numa altura em que estávamos confinados. Fomos todos sobrecarregados com informação permanente de números de casos novos, números de internamentos, cuidados intensivos e óbitos, seja de COVID e com COVID – o que faz toda a diferença. E faz toda a diferença porque apesar do que parecia, o mundo não parou e há muito além do vírus.

 

Lidar com o Isolamento Social

Após o confinamento veio outra má notícia. A crise económica nunca antes vista, certamente mais grave que a crise de há 10 anos, provavelmente mais forte que a crise de 1929. No alarme de saúde provocado pela pandemia, foi crescendo uma expectativa de uma crise sem precedentes. Entretanto, o tempo de isolamento social continuava a contar, sem se poder fazer muito para mudar o rumo dos acontecimentos. Crescia o clima de medo (e o medo tem imenso poder!). E algum pânico.

O COVID, ainda pouco percebido, era um perigo para a saúde pública. Por outro lado, havia a promessa de uma degradação económica com alcance desconhecido, isto com as imposições restritivas com que tínhamos de lidar. Em cima de tudo isto, o reinventar de hábitos tão simples como ir às compras ou visitar as nossas famílias, um quotidiano espartilhado pelas imposições restritivas com que tínhamos de lidar. Não é pouca coisa. De uma assentada, vieram perdas de liberdades individuais (reforço, individuais, daquilo que nos distingue e nos caracteriza), a incerteza, a perda de hábitos, a frustração e a desilusão. Vieram também contradições. Perderam-se expectativas e receou-se o pior.

Este cenário alimenta certamente sensibilidades psicológicas e torna as pessoas mais frágeis, danificando a saúde mental de cada um. Muitas vezes a resposta é a menos saudável. Há quem se feche sobre si próprio, quem se esqueça de cuidar de si e também dos outros. Podem (re)aparecer hábitos menos desejáveis, como isolamento social ou o consumo de substâncias.

 

Diferentes reações

Desta pandemia, notou-se que sobrou para todos. É verdade que, como sempre, mais para uns que para outros, seja pelo estatuto económico ou pela faixa etária. Ainda assim, diria que quem, até agora, quem passou um pior bocado terá sido a população adulta. As pessoas são diferentes, o que dá azo a reações distintas, necessidades variadas. Há certamente pessoas mais resistentes que outras e até mesmo aquelas que passaram ao lado de todo este cenário. Até houve quem preferisse ter aulas à distância ou nem sair de casa para ir trabalhar. Para algumas até deu imenso jeito e os hábitos novos podem parecer mais agradáveis, pelo menos no imediato.

Ao mesmo tempo, houve quem se desse muito mal, com queixas objetivas de mal-estar, que esteve (e está) desamparado, com alterações do sono e até da alimentação. Houve aqueles que pediram ajuda e aqueles que vão sobrevivendo: os silenciosos. E estes podem ser os que mais arriscam. Em contexto de consulta, vêm surgindo cada vez mais as pessoas que não tendo sentido alterações significativas, ou pelo menos mais objetivas, vão reconhecendo em si um mal-estar psicológico, que associam à perda de contacto social e à perda do seu “normal”. Estas, ainda que não tenham levado um murro no estômago, vão cedendo paulatinamente.

 

E agora, o que fazer?

Para ultrapassarmos tudo isto, é importante manter os contactos com os próximos. Restaurar velhos hábitos (de preferência os mais saudáveis), sendo capaz de assumir a flexibilidade necessária face às circunstâncias atuais. Há que recordar que há sempre a oportunidade de concebermos alternativas, de nos reinventarmos para que nos consigamos adaptar.

Essa é a nossa responsabilidade - reassumir o controlo e o compromisso por nós próprios - se não queremos também ter de ultrapassar uma psicopandemia. Há muito a fazer. Por isso importa redirigir a nossa atenção para outros focos que não a pandemia. Ao menos, no meio de tantas crises, podermos dizer que tivemos a possibilidade de ver as coisas em perspetiva. E…, atenção, distanciamento social não tem que significar isolamento social.

 

Não descure a sua saúde mental, cuide de si!

Autor do artigo

Luís Ferraz

Psicólogo