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Instruções para os pais: como lidar com o primeiro dia na creche (e nos seguintes)

26 Agosto 22
O primeiro dia na creche do nosso bebé pode ser um dia de grande ansiedade. Afinal, não é fácil deixarmos o nosso bebé nas mãos de uma pessoa estranha à família e num local que não conhecemos. As questões são muitas e prendem-se todas com a saúde, segurança e o bem-estar das crianças. Será que vão dormir bem? E comer? Será que vão chorar muito? E se houver outras crianças doentes?
No início de um ano escolar que ainda traz algumas questões sobre a COVID-19, falámos com a Pediatra da Cintramédica, a Dra Andreia Mota (também ela mãe) sobre as dúvidas que mais afligem os pais no momento de deixarem os filhos na creche.
 

Muitas mães e pais ficam muito ansiosos na hora de deixar a criança no primeiro dia de creche. E temem por aquele momento em que a criança pode ficar a chorar…

Se há uma criança que viveu sempre com os pais, ou se a mãe vem de uma licença de maternidade e o bebé vai com meses para a creche, tudo aquilo é um momento muito violento para a mãe, e também para o bebé. É ter de confiar o que é mais importante nas nossas vidas a um “estranho”. Isso gera uma grande ansiedade, e as crianças têm a capacidade de perceber a nossa ansiedade.
 

Como aconselha os pais a ultrapassarem essa ansiedade?

Quando se deixa um bebé com 4 ou 6 meses na creche, é natural que eles ainda não percebam bem, mas mais tarde pode haver uma reação ao estranho que pode dificultar a separação. Quando são muito pequeninos é essencialmente um trabalho para os pais, que tem de voltar ao trabalho e que tenham como única hipótese deixar os seus filhos aos cuidados de terceiros. Por outro lado, devemos tentar não deixar transparecer a nossa ansiedade no momento de os deixarmos na creche. Evitar o choro, mas nunca deixar de dar aquele abraço, aquele beijo ou de lhe dizer aquela palavra/frase com significado especial e importante, mesmo que fique um coração de mãe ou de pai apertado cá fora! Quando a criança já é mais velha, com 1 ano ou 2, é importante comunicar, explicar antes que vai para aquela escola, que vai ter os amigos, que vai brincar, que vai ter uma professora, que vai gostar, que vai aprender, ou seja, um discurso que ajude a criança a chegar lá e a conseguir gostar do espaço pouco a pouco. Há também quem consiga fazer aquelas estratégias, que eu acho que são muito boas, que é um horário pequenino nos primeiros dias e depois vai espaçando, progressivamente, para que a criança se vá adaptando ao seu ritmo.
 
 
COVID-19: é (ainda) uma preocupação?

A COVID-19 ainda existe. Acha que é um problema de saúde na primeira infância?

Existem muito mais vírus além da COVID-19. A maior parte dos sintomas de COVID-19 em idade pediátrica são semelhantes à grande maioria das patologias respiratórias ou mesmo gastrointestinais, uma vez que em Pediatria, o vómito e a diarreia também podem ser sintomas de COVID-19. Por outro lado, não tem havido muitos casos de doença grave na primeira infância. No entanto, muita atenção, porque este discurso muda completamente quando falamos em crianças com doenças pré-existentes. Por outro lado, quando entramos na adolescência, e mesmo em números não tão altos como na população adulta, há alguns casos de doença mais grave, sobretudo por causa da Síndrome Inflamatória Multissistémica em Crianças.
 

Mas porque é que, de modo geral, não se observa casos tão graves de COVID-19 na infância?

Muito se tentou explorar nesse campo e uma das causas pode ser porque as crianças têm múltiplas infeções em simultâneo. O sistema imunitário das crianças tenta dar resposta a todas as infeções, mas ainda é imaturo, ainda está a “aprender”. Talvez por isso acabem por não ter um quadro tão grave. Ir para o infantário é uma forma de se ganhar imunidade. Se formos vacinados, o organismo entra em contacto com um determinado agente infeccioso. A partir daí, criamos anticorpos e a nossa memória imunológica vai-se lembrar da próxima vez que entrar em contacto com esse agente. Nas creches, por estarem tantas crianças em contacto umas com as outras, há mais microorganismos, e quando contactamos com eles, estando esses microorganismos no seu estado nativo, por outras palavras “vivo”, é possível que os sintomas sejam mais “violentos” do que aconteceria em consequência da toma de uma vacina.
 

Acha que se pode falar de sequelas de COVID-19 na infância?

Neste momento acho que é muito cedo para falarmos desse tipo de sequelas na infância. Há muito poucos estudos e é uma doença muito recente. As sequelas, na maioria das vezes, vêem-se com alguns anos de distância. O que temos assistido é a casos de crianças que já tinham patologias respiratórias, que após a infeção por COVID-19, estão a responder a novas infeções virais com maior hiperreatividade brônquica. Mas, na minha opinião, acho que ainda não podemos dizer que essa é uma sequela de COVID-19.
 
 
 
Doenças mais comuns na infância

Quais são as principais doenças que afetam as crianças nos infantários e no pré-escolar?

O facto de uma criança ir para o infantário vai implicar que ela vá estar em contacto com crianças e adultos que não fazem parte dos seus círculos habituais. Quando são crianças de berço, as interações são mais com os auxiliares e educadores. Quando são mais crescidos e brincam uns com os outros, é natural haver partilha de brinquedos e contacto entre crianças, o que favorece a transmissão de microorganismos. Assim sendo, as principais patologias que se observam neste contexto são, essencialmente, infeções do trato respiratório e também do trato gastrointestinal. Falamos das nasofaringites (vulgares constipações), bronquiolites, otites, amigdalites, gastroenterites, e até, eventualmente, quadros mais graves como as pneumonias. Sendo que a grande maioria são situações virais e não bacterianas. 
 

Como se pode minimizar, de alguma maneira, a transmissão desses microorganismos?

Depende do número de crianças em cada espaço, da ventilação da sala e, obviamente, da época do ano, uma vez que no Inverno os vírus estão muito mais presentes e é mais fácil a sua transmissão. Por outro lado, é muito importante que os cuidadores tenham o cuidado de higienizar corretamente as mãos. Depois julgo que sempre que há uma criança doente, é importante informar os pais das outras crianças. E não me refiro a doenças de evicção escolar, ou seja, que impeçam, por lei, a criança de ir à escola. Refiro-me a outras doenças que podem ser até as simples nasofaringites ou doenças ligeiras que tenham febre. Se, por um lado, há que resguardar a criança, por outro há que limitar a transmissão. Se a escola não fizer uma boa comunicação, isso contribui para aumentar o número de infeções.
 
 
 
Como proceder em casos de febre?

Uma dúvida frequente que os pais têm é se devem levar as crianças para a escola com febre, mesmo depois de terem dado um antipirético como o paracetamol (Ben-U-Ron®).

Na minha opinião, uma criança com febre não deve ir à escola. Agora compreendo, e sendo mãe também, que não é fácil termos sempre alguém disponível para ficar em casa com a criança ou ficarmos nós próprios, devido aos compromissos laborais que todos temos. Por um lado, a febre, só por si, é um sintoma muito pouco específico. Se damos um antipirético e a criança começa logo a brincar, temos de dar tempo para ver como os sintomas evoluem, mas ficar com a criança resguardada em casa e vigiá-la.


Como devem então os pais proceder?

Se, por exemplo, tivermos uma criança com uma febre de 38°C, 39°C, damos-lhe um antipirético e a febre baixa, e de seguida ela aguenta umas 4, 6 horas sem febre, devemos ver o que acontece nesses períodos: se estiver bem-disposta e brincar normalmente, é um sinal positivo e não precisa de ser logo observada por médico. Se se prolongar este cenário durante muitos dias, 3 ou 4 dias, justifica-se uma ida ao médico para exclusão de uma doença mais grave.
Depois, há que ter em conta os picos febris: são muito ou pouco elevados? E o espaço de tempo entre esses picos de febre? Estabilizam ou tendem a aumentar, ou, por outro lado, são cada vez mais curtos? Se houver sinais de que os picos de febre são cada vez mais espaçados e mais baixos, então a criança não precisa de ser vista por um médico, caso não haja outros sintomas que preocupem os pais. Por outro lado, se a criança que tem picos de febre elevados e que se repetem em curtos período, de 2, 3 ou menos horas, ou no caso da febre não baixar mesmo com antipiréticos, seja este quadro no início da doença ou já no evoluir da mesma, é sinal de agravamento clínico e motiva uma observação por um médico. Nunca devemos descurar a atenção aos sintomas associados à febre.
 

E que sintomas são esses?

Se a criança estiver prostrada, pouco ativa, se começa a vomitar e não tem tolerância de via oral (não come), se tem diarreia muito abundante, se tem tosse que não pára, se não consegue respirar, se tem manchas na pele a aparecerem, se tem alguma dor, por exemplo, tudo isto implica uma avaliação por médico, para melhor orientação diagnóstica e terapêutica.
 

E quando a febre é detetada na escola?

Normalmente chamam os pais para vir buscar a criança. Mas nem toda a febre obriga logo a uma consulta médica. Tem de se gerir e vigiar a evolução, como referido acima. No entanto, a criança com febre nunca deve ficar ou ir para a escola. E não é só por causa do risco de transmissão aos outros da sua doença. As outras crianças estão lá, sem febre e sem outros sintomas, mas podem estar no início de um processo de doença ou estar infetados com microorganismos que a elas, em particular, não lhes provocam sintomas. No entanto, podem transmitir esses microorganismos a uma criança que já está doente, e qualquer criança doente, nomeadamente com febre, está mais frágil, pelo que tem de ser resguardada e vigiada a sua evolução clínica. Numa sala onde existem 20 crianças, é difícil aos educadores aperceberem-se de novos sintomas, o que pode atrasar o diagnóstico e em alguns casos comprometer o tratamento, para além de que o pai e mãe têm uma sensibilidade completamente diferente, pois são eles quem melhor conhece o seu filho.

Entrevista a

Andreia Mota

Pediatra