Doenças do sono: a importância da prevenção

data de publicação17 Abril 2023 entrevista a
Amélia Feliciano  |  Pneumologista

O sono é um estado fisiológico essencial à saúde. No entanto, e de acordo com um estudo realizado pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) e pela Sociedade Portuguesa de Medicina do Trabalho (SPMT), 21% dos inquiridos demoravam mais do que 30 minutos para adormecer e 30% consideravam que o seu sono era mau ou razoavelmente mau.
As doenças do sono têm repercussões não só no dia a dia de quem não dorme descansado, mas também no futuro, refletindo-se em várias patologias que podem colocar em risco a sua saúde.
A Prof. Doutora Amélia Feliciano, Pneumologista e médica da Consulta da Apneia do Sono na Cintramédica, esclarece-nos acerca da importância do sono e do seu impacto na nossa saúde.

Qual a importância do sono na nossa saúde?

O sono ocupa cerca de 20 a 40% do dia, o que significa que 1/3 da nossa vida é passada a dormir. O sono é um estado temporário de repouso, durante o qual ficamos fisicamente inativos e desligados do ambiente. Durante o sono muitas funções do nosso corpo ficam mais lentas. No entanto, apesar desta aparente lentificação, o sono desempenha funções muito importantes e mesmo de sobrevivência, pois permite a conservação da energia, a “limpeza” de produtos tóxicos acumulados durante a vigília, o crescimento e a reparação celular, a manutenção da rede cerebral de neurónios, a modulação imunológica, a consolidação da memória, a regulação do humor e ainda sonhar.

Quais os principais sintomas que podem apontar para a existência de distúrbios do sono?

O sono é um processo essencial para a saúde física, mental e social. Como tal, a alteração da quantidade e/ou da qualidade do sono pode manifestar-se de diferentes formas, consoante o distúrbio do sono, a idade e o género, e ainda com mais ou menos sinais e/ou sintomas de sono perturbado. São exemplos o ressonar, as apneias presenciadas, os despertares frequentes, as várias idas à casa-de-banho, a insónia, o sono agitado, os sonhos/pesadelos frequentes ou vívidos, o acordar com a boca seca, o acordar com dificuldade em respirar, o comportamento violento durante o sono, a sensação de sono não reparador, a alteração da concentração e/ou da memória, a alteração da libido, a diminuição do rendimento físico e/ou psicológico, a irritabilidade, a sonolência durante o dia, entre outros.

Quais são as principais doenças do sono e quem, normalmente, é mais afetado?

No adulto, as principais doenças do sono são a insónia, a apneia do sono e o sono insuficiente. Mas existem outras, como os distúrbios do movimento relacionados com o sono (por exemplo as pernas inquietas e o bruxismo), os distúrbios do sono relacionados com o ritmo circadiário (decorrente do trabalho por turnos) e as parassónias (sonambulismo e pesadelos).

Na criança, as principais doenças do sono são o ressonar, a apneia do sono, os distúrbios do movimento relacionados com o sono e as parassónias (pesadelos, terrores e enurese noturna).

Os distúrbios do sono aumentam a morbilidade (isto é, maior risco de doenças cardíacas, metabólicas, psiquiátricas e neurológicas) e a mortalidade, com consequente diminuição da esperança média de vida. Além disso, a alteração do sono está associada a diminuição da qualidade de vida, a uma pior aparência física e a um envelhecimento precoce.

Como é que se avalia se uma pessoa tem uma doença do sono?

Numa consulta de Apneia do Sono é feita uma história clínica, que inclui perguntas sobre os hábitos do sono, sinais e sintomas relacionados com o sono e sobre o funcionamento durante o dia, além de questões sobre os antecedentes pessoais e a toma de medicação habitual. Nesta consulta, por vezes, são aplicados questionários específicos, além de serem requisitados exames que permitam o melhor esclarecimento de uma possível doença relacionada com o sono. Geralmente, nesta abordagem, são pedidas análises e um estudo do sono, mas também podem ser requisitados outros exames.

O que é uma Polissonografia? E um Registo Poligráfico do Sono Noturno?

Uma Polissonografia é um estudo do sono sofisticado, mas não invasivo, que requer a aplicação de sensores e elétrodos na cabeça e no corpo, com o objetivo de avaliar em simultâneo várias variáveis durante o sono, como a qualidade e a quantidade do sono, a respiração (incluindo a saturação de oxigénio e o ronco), a atividade cardíaca e os movimentos durante o sono. Este exame pode ser feito em internamento ou em ambulatório.

Um Registo Poligráfico do Sono é um estudo do sono mais simples, também não invasivo, que requer a aplicação de sensores e elétrodos no corpo, com o objetivo de avaliar em simultâneo várias variáveis durante o sono, como a respiração, a atividade cardíaca e os movimentos durante o sono. Este último exame é geralmente realizado em ambulatório.

Quando se prescreve uma Polissonografia? E um Registo Poligráfico do Sono?

As indicações da Polissonografia são a apneia do sono, os distúrbios do movimento relacionados com o sono, as parassónias, a sonolência diurna de causa não conhecida e a insónia grave ou resistente ao tratamento.

Por sua vez, o Registo Poligráfico do Sono é solicitado quando existe uma elevada probabilidade e risco de apneia do sono.

Que perspetivas podem ter as pessoas com patologias do sono? Têm cura?

Atualmente são várias as abordagens dos distúrbios do sono, como as farmacológicas (medicamentos) e as não farmacológicas (como a ventiloterapia noturna e a terapia cognitivo-comportamental). Irá depender do tipo de doença e das particularidades do doente (hábitos de sono, presença de outras doenças, toma de certos medicamentos, etc.). De uma forma generalista, estas abordagens, se adequadamente cumpridas, resultam numa boa resposta clínica, com melhoria da qualidade do sono.

No entanto, a boa higiene do sono é a medida a adotar em primeiro lugar, seja qual for o distúrbio do sono em causa.

Qual a importância de se proceder a um rastreio do sono?

Porque o sono é um pilar importante da nossa saúde e como os sinais e sintomas relacionados com os distúrbios do sono nem sempre são específicos destas patologias, os rastreios realizados através de questionários simples permitem sinalizar precocemente as pessoas portadoras de um possível distúrbio do sono. Mediante o resultado do rastreio é possível fazer o aconselhamento de marcação de consulta de Apneia do Sono, onde a situação poderá ser mais bem avaliada por um médico com especialização em Medicina do Sono. A deteção precoce dos distúrbios do sono permite a correção atempada destas perturbações, o que contribuirá para a diminuição da morbilidade e da mortalidade associada aos mesmos e melhorar o bem-estar e a qualidade de vida.

Entrevista a

Amélia Feliciano

Pneumologista