COVID-19: Brain fog e outros quadros neurológicos

data de publicação22 julho 2021 autor do artigo
Dr. João Pedro Peres  |  Neurologista

O termo brain fog pode ser traduzido como “névoa mental”. Não é um termo médico nem científico, mas descreve uma série de sintomas neurológicos como a dificuldade em manter a atenção ou a concentração, a sensação de lentidão de pensamento e a presença de alterações de memória.

À medida que as comunidades médica e científica vão descobrindo mais sobre o SARS-CoV-2, vão sendo identificadas inúmeras sequelas de um vírus que afeta vários sistemas do organismo. O cérebro e outras áreas do sistema nervoso são também afetadas, não só na altura da infeção por COVID-19, mas também após a alta clínica, com repercussões cognitivas que podem prolongar-se no tempo, às vezes, durante meses.

O brain fog, ou o conjunto de sintomas neurológicos que compreendem este termo, é uma das sequelas mais reportadas por pessoas que estiveram infetadas com COVID-19, afetando não só os casos mais graves, que necessitaram de cuidados intensivos, como também os assintomáticos.

Fique a conhecer um pouco melhor o modo como a infeção por COVID-19 afeta o sistema nervoso e conheça também algumas sequelas, como o brain fog, que podem colocar em risco a sua saúde e um regresso à normalidade.

 

Impacto da COVID-19 no sistema nervoso

O vírus SARS-CoV-2 utiliza um recetor de uma enzima (ECA2) presente no nosso organismo como porta de entrada nas vias aéreas e pulmões, sistema cardiovascular, renal e intestino delgado.

Os principais sintomas apresentados (febre, tosse e dificuldade respiratória) manifestam-se principalmente no sistema respiratório, mas acabam por afetar outros sistemas do corpo, nomeadamente o Sistema Nervoso Central (SNC) e o periférico (SNP). O vírus da SARS-CoV-2 pode afetar o Sistema Nervoso de duas formas:

  • Através de um processo inflamatório decorrente da intensa atividade do sistema imunitário a tentar reagir contra a COVID-19
  • Através da invasão directa do Sistema Nervoso por via sanguínea ou dos nervos periféricos (incluindo os nervos olfactivos).

 

Manifestações neurológicas da COVID-19

Ao detetar o vírus da SARS-CoV-2, o sistema imunitário desencadeia um forte processo inflamatório que resulta numa produção desregulada e exagerada de citocinas (moléculas pró-inflamatórias), inflamação essa que vai afetar as paredes dos vasos sanguíneos (endotélio). Este facto pode estar na origem de parte das sequelas neurológicas da COVID-19, desde as mais ligeiras às potencialmente fatais. Por outro lado, observa-se uma tendência para o surgimento de sequelas mais graves em pessoas com COVID 19 mais severa, quando comparado com pessoas com infeção ligeira ou mesmo assintomática.

Os quadros de manifestações neurológicas da COVID-19 podem ocorrer em várias fases: fase aguda, na convalescença da doença ou de forma prolongada no tempo (4 semana após a cura). As manifestações nesta última fase têm sido designadas como Long COVID Syndrome.

Observemos então os principais quadros de manifestações neurológicas provocadas pela COVID-19, sem esquecer que são quadros clínicos que, muitas vezes, se prolongam no tempo.

Brain fog ou síndrome confusional

Estão entre as queixas mais frequentes de sequelas de longo prazo da COVID-19, logo a seguir à fadiga e à falta de ar. É difícil descrever o brain fog. Engloba um conjunto de sintomas que pode, muitas vezes, ser comparável com uma sensação próxima do jet lag ou decorrente de insónias e distúrbios de sono. A pessoa sente-se mais lenta, tem dificuldade em encontrar as palavras ou em executar determinados movimentos, de tal forma que pode afetar o desempenho no dia a dia. Simplesmente não se sentem as mesmas, desde que tiveram COVID-19. Este é um quadro que pode ser transversal a pessoas que estiveram assintomáticas ou que estiveram internadas.

Encefalopatia/Encefalite

Este é um quadro que tanto pode resultar do menor aporte de oxigénio ao sangue, uma vez que a COVID-19 afeta o sistema respiratório, como dos focos de inflamação provocados pela infeção. Entre os principais sintomas observa-se uma desorientação no tempo e espaço, discurso confuso, lentificação do pensamento, agitação, eventual perda de memória ou mesmo crises epilépticas. Esta é uma patologia observada em cerca de 65% das pessoas que precisaram de apoio ventilatório nos cuidados intensivos. Pode ser um quadro transitório, com um bom prognóstico, ou deixar sequelas graves, se se prolongar no tempo.

Insuficiência Respiratória Central

A dificuldade respiratória é um dos sintomas da COVID-19 que mais exigiu um internamento nos cuidados intensivos. Uma das causas possíveis para esta insuficiência pode dever-se à destruição de células no tronco cerebral, responsáveis pelos processos cárdio-respiratórios. Este é um fenómeno que já foi observado em outros coronavírus, mas não há provas irrefutáveis que confirmem esta relação.

Dores de cabeça, no corpo e fraqueza

Estão apontados como dos sintomas mais frequentes da COVID-19, desde o início da pandemia, e que, muitas vezes, se prolongam após a alta clínica. De acordo com dados da Direção-Geral da Saúde, cerca de 25% dos infetados queixaram-se com dores de cabeça (cefaleias), 27% com dores no corpo (mialgias) e 20% com fraqueza generalizada (astenia).

Perda de olfato e paladar

São sintomas que, muitas vezes, precedem as queixas respiratórias e que podem prolongar-se no tempo, mesmo após a cura. A perda de olfato (hipósmia) pode ser justificada pela invasão direta dos bulbos olfativos pelo vírus SARS-CoV-2, através do nariz, numa zona ligada diretamente ao cérebro, que não é protegida nem revestida (lâmina cribosa do etmóide). Já a perda de paladar (disgeusia) parece ser uma situação mais transitória, uma vez que afeta apenas as papilas gustativas e a mucosa. A perda do olfato, porém, pode prolongar-se por 2 a 3 meses.

Sintomas neuromusculares graves

Em alguns casos mais raros tem sido observada uma polineuropatia aguda (ou Síndrome de Guillain Barré), caracterizada por uma fraqueza muscular com uma evolução ascendente, inicialmente atingindo as pernas e progredindo em horas a dias para os braços, diafragma e face. Geralmente ocorre algumas semanas após os primeiros sintomas da infeção, podendo ocorrer também em doentes com infeção SARS-CoV-2 assintomática. É uma consequência bastante grave da COVID-19 e pode ter uma recuperação demorada.

Acidente Vascular Cerebral (AVC)

O processo inflamatório desencadeado pela infeção por COVID-19 pode conduzir ao aparecimento de trombos nos vasos sanguíneos, podendo provocar o AVC isquémico. Por outro lado, a diminuição de concentração de oxigénio no sangue (hipóxia) pode contribuir para o AVC. No entanto, e devido à alta incidência, quer de COVID-19, quer de AVC, não se pode afirmar que existe maior ocorrência de AVC em doentes infetados com o SARS-CoV-2.

 

Procure o seu Neurologista, marque a sua consulta

Muitas das sequelas da COVID-19 que se prolongam no tempo podem afetar o dia a dia e colocar em risco a sua saúde física e mental. Quando detetados precocemente, esses sintomas podem ser vigiados e traçadas estratégias terapêuticas que lhe devolvam a qualidade de vida que tinha antes da pandemia. É ainda importante despistar que os seus sintomas neurológicos que foram detetados após a infeção COVID19 não se devem a outras doenças que se manifestam de forma semelhante ao síndrome pós-COVID.
Se sente sintomas como os do brain fog ou se simplesmente não se sente o mesmo desde que foi infetado pela COVID-19 marque a sua consulta e proteja a sua saúde.

Autor do artigo

João Pedro Peres

Neurologista

Faça o seu comentário

Envie-nos o seu comentário, questão ou opinião.