A gravidez e o parto são momentos decisivos na vida da mulher, do seu bebé e da sua família. O Prof. Doutor Dusan Djokovic, Ginecologista e Obstetra na Cintramédica, ajuda-nos a perceber, ao longo das diversas fases da gravidez, do parto e pós-parto, como podemos promover, através da partilha de conhecimento e informação, ferramentas que permitam à sociedade, como um todo, estar mais ciente das condições para promover o Parto em Segurança.
Esta entrevista foi dividida em 5 secções relativas às várias fases da gravidez, parto e pós-parto, no sentido de dar a conhecer à grávida quais as questões que se devem colocar em cada uma destas etapas:
Desde o início da gravidez até às últimas semanas de gestação
Como deve a grávida proceder a partir do momento que sente que vai dar à luz
Quais os procedimentos que podem acontecer nesta fase
Cuidados para a mãe e para o bebé assim que ocorre o nascimento
Os primeiros momentos após o nascimento e que cuidados devem a mãe e a sua família estar mais atentos nos primeiros dias.
A partir do momento em que é diagnosticada a gravidez, costumam surgir grandes expectativas e desejos que se entrelaçam com emoções e com a aspiração de que a gravidez se desenvolva da melhor forma possível. Embora seja uma condição fisiológica, nenhuma gestação é isenta de riscos. Uma gravidez é classificada como de baixo risco ou de alto risco, dependendo de vários fatores que o médico avalia antes da conceção, no início e durante a gravidez. O objetivo é a deteção e tratamento precoce de complicações que possam provocar aborto espontâneo, parto prematuro, agravamento da situação clínica materna, morte fetal e doença ou mortalidade no recém-nascido.
Entre os fatores importantes para cada mulher e para o seu médico entenderem o risco individual na gravidez, é necessário levar em consideração a idade da mulher e sua história clínica e obstétrica, hábitos de vida, fatores psicológicos e a situação socioprofissional da gestante, assim como a forma como surgiu a gravidez e se esta induz alterações físicas e/ou psicológicas relevantes. O risco na gravidez aumenta, por exemplo, se nos aproximarmos dos extremos da idade reprodutiva, com a existência de doenças conhecidas ou desconhecidas da mãe, hábitos nocivos da grávida (como o tabagismo e/ou o consumo de álcool ou drogas), situações económicas difíceis, situações familiares stressantes ou condições de trabalho desfavoráveis.
Considera-se gravidez de baixo risco aquela em que nenhum fator associado à doença da mãe, feto e/ou recém-nascido pode ser identificado através da avaliação clínica e por meio de exames laboratoriais e imagiológicos. Ao contrário, quando um ou mais desses factos são descobertos, a gravidez é considerada de alto risco, iniciando-se um acompanhamento mais rigoroso e investigação clínica de acordo com a situação específica dessa gravidez. O risco pode surgir em qualquer fase da gestação, e deve ser reavaliado a cada consulta. Às vezes, aparentemente de repente, uma gravidez de "baixo risco" pode ser reclassificada como de "alto risco". Dou como exemplos a identificação de uma diabetes gestacional, de uma desaceleração do crescimento fetal detetada numa ecografia, a identificação de uma anomalia estrutural do feto, o surgimento de hipertensão arterial associada à gravidez, o diagnóstico de infeção materna, ou diagnóstico de uma doença crónica da grávida previamente desconhecida.
É fundamental que a futura mãe se prepare com antecedência para a gravidez, realizando uma avaliação clínica adequada e através de exames complementares de diagnóstico antes da conceção. As mulheres aparentemente sem qualquer patologia, que são a maioria, devem manter um comportamento e estilo de vida saudáveis. Devem também iniciar uma suplementação de ácido fólico e iodo, de acordo com as diretrizes nacionais, antes de engravidarem. Nas mulheres com doença crónica (física ou mental), o objetivo é corrigir as alterações biológicas e/ou psicológicas a tempo, antes da gravidez, de modo a otimizar a situação clínica, assim como ajustar a terapêutica para que a gravidez se desenvolva de forma favorável sem colocar em perigo a saúde da mulher e o bem-estar do feto.
Durante a gravidez, as grávidas devem comparecer às consultas agendadas e realizar os exames laboratoriais e ecográficos de acordo com as instruções médicas. Devem manter um estilo de vida saudável, que passa por adotar uma alimentação adequada, a prática de atividade física (adequada a cada caso), bem como sono em qualidade e quantidade suficientes.
Os sintomas que costumam acompanhar uma gravidez normal, como náuseas, fadiga, ansiedade e insónia, podem interferir significativamente no bem-estar da mãe. As mulheres grávidas não devem hesitar em discutir esses sintomas com o seu médico, de modo a receberem apoio e tratamento apropriados, promovendo assim a experiência de gravidez mais positiva possível.
O parto é um processo fisiológico caracterizado por contrações uterinas regulares, involuntárias e dolorosas, que resultam no nascimento do feto e na expulsão da placenta e das membranas fetais. Assim, o parto é anunciado justamente pelo aparecimento das contrações, que a grávida percebe como dores intermitentes, com frequência e intensidade crescentes. O principal sintoma que indica que a grávida se deve dirigir às urgências obstétricas do seu hospital é a contração, regular e dolorosa do útero. Além deste sintoma de alarme, são motivos para se dirigir ao hospital o hemorragia genital, perda de líquido amniótico e a perceção da diminuição dos movimentos fetais pela mãe.
As contrações indolores e irregulares são comuns durante a gravidez, principalmente nos últimos meses. No entanto, não são “produtivas” – ou seja, não levam a alterações estruturais no útero/colo uterino, nem resultam no parto. Nos estágios iniciais do verdadeiro Trabalho de Parto, as contrações dolorosas ocorrem a cada 15 a 20 minutos e duram entre 30 e 45 segundos. À medida que o trabalho de parto avança, as contrações tornam-se mais frequentes e duram cerca de 60 segundos. Geralmente recomendamos que a grávida informe o seu médico e se dirija ao hospital na fase em que sente 2 a 3 contrações em 10 minutos, com duração de 45 segundos ou mais.
Se a grávida perceber contrações regulares e dolorosas antes da 37ª semana de gestação, independentemente da frequência e intensidade, deve procurar imediatamente o médico e/ou ir ao hospital, uma vez que pode ocorrer um parto pré-termo.
Como não existe gravidez sem risco, nem parto sem riscos, as complicações intraparto (durante o trabalho de parto) costumam ter início e desenvolvimentos abruptos. As condições em que a ajuda médica/cirúrgica pode ser oferecida em poucos minutos, que são as condições hospitalares, são universalmente consideradas as mais seguras. A maioria das parturientes não terá complicações. No entanto, a imprevisibilidade e ocorrência das mesmas em mulheres sem fatores de risco identificáveis, deixam evidências que o hospital é o local mais seguro para dar à luz.
De acordo com a Ordem dos Médicos Portugueses, “em 1970, em Portugal, 63% dos partos eram não hospitalares; muitas mulheres passavam dias em trabalho de parto, no domicílio, longe de tudo, muitas vezes abandonadas, exaustas, sem recurso a qualquer analgesia, e aí faleciam, mães e filhos, ou ficavam com sequelas para toda a vida; a ratio de mortalidade materna era de 73,4/100.000 nascimentos vivos e a mortalidade perinatal de 38,9/1.000 nascimentos; nos hospitais raramente havia condições dignas de dormida, de higiene, de analgesia e de relação entre as grávidas e o pessoal de saúde, escasso e sem meios adequados; os pais não podiam acompanhar as grávidas.
No ano 2000, os partos fora do hospital passaram para 0,3%, a ratio de mortalidade materna para 2,5/100.000 e a mortalidade perinatal para 6,2/1.000.
Na última década, de 2010 a 2019, a mediana de partos fora do hospital, de ratio de mortalidade materna e de mortalidade perinatal foi, respetivamente, de 0,7%, 7,15/100.000 e 3,9/1.000.”
Os direitos das mulheres em Trabalho de Parto devem ser conhecidos para que possam exigir o cumprimento dos mesmos, ter uma experiência antes e durante o parto positiva e pós-parto emocionalmente estável.
Atualmente, em Portugal, todas as grávidas têm acesso a um atendimento digno e de qualidade, assim como a todo o tipo de diagnósticos e terapêuticas. Têm igualmente acesso universal à analgesia/anestesia no parto, assim como o hospital tem a obrigação de informar a utente que esta tem o direito a ser acompanhada durante o Trabalho de Parto pela pessoa por ela designada, o que é garantido pela legislação em vigor.
A anestesia regional é um método seguro e eficaz para o alívio da dor durante o parto. No entanto, de acordo com as diretrizes da American Pregnancy Association, a anestesia epidural não deve ser administrada às mulheres que estejam a fazer anticoagulantes, que tenham plaquetas baixas, infeção nas costas ou infeção na corrente sanguínea. Havendo contraindicação para a sua realização, existem outras formas de administração analgésica, intramuscular ou endovenosa, que podem ser utilizadas. Embora úteis, essas alternativas são, de facto, menos eficazes do que a técnica epidural no controlo da dor intraparto. Nas cesarianas, a anestesia geral é realizada se a anestesia regional for contraindicada ou se não houver tempo suficiente para realizá-la.
Apesar dos desenvolvimentos técnicos e tecnológicos em Medicina, e especificamente em Obstetrícia, com a aplicação crescente da ecografia na sala de parto, o exame físico persiste como a forma básica e insubstituível para avaliar e acompanhar a evolução do parto. Portanto, o toque vaginal é imprescindível para entender como progride a dilatação do colo do útero e a descida do feto pelo canal do parto. Procuramos "incomodar minimamente" as parturientes e apenas quando necessário.
Antes do início ou durante o Trabalho de Parto, pode ser necessário finalizar a gravidez realizando a extração fetal por cesariana. As principais indicações incluem:
A episiotomia é um procedimento obstétrico que consiste em realizar uma incisão na região do períneo (região entre a vagina e o ânus) para ampliar a saída do canal de parto. Atualmente, atuamos apenas em situações específicas e quando se prevê que ocorra uma lesão grave no períneo devido à expulsão do feto. É realizada com o objetivo de reduzir o risco de lesões do esfíncter anal e do intestino/reto, sendo deste modo uma intervenção profilática (de prevenção) de incontinência das fezes e/ou gases. No entanto, essas complicações podem ocorrer mesmo quando o períneo está aparentemente íntegro, até em mulheres sem história de partos. Uma episiotomia também pode ser necessária para facilitar a realização de certas manobras obstétricas. Dou o exemplo de uma eventual extração de um feto preso no canal do parto, ao nível dos ombros, após a exteriorização da cabeça fetal.
Após o parto, procuramos proporcionar as condições mais favoráveis à recuperação e evolução psicofísica da mãe e do recém-nascido. Com um ensino adequado, desde as fases iniciais (desde a sala de parto), promovem-se o autocuidado, a amamentação e os padrões de comportamento saudáveis.
Imediatamente após o parto, destaca-se como situações que temos de estar alerta o risco de hemorragia anormal, devido a contração uterina inadequada e/ou outras causas. A profilaxia farmacológica é aplicada universalmente, e as mães que acabaram de dar à luz são monitoradas para que lhes seja garantida assistência médica em caso de necessidade.
Após o nascimento, o primeiro exame sumário é realizado pelo Pediatra Neonatalogista, com o objetivo de avaliar sinais de bem-estar do recém-nascido, imediatamente após o parto. É avaliada a adaptação do bebé à vida extrauterina após o stress provocado pelo parto, assim como excluir a possibilidade de qualquer patologia que necessite de uma intervenção imediata.
O teste de Apgar, introduzido nos anos 1950s pela Obstetra norte-americana Virginia Apgar, é um teste realizado nos primeiros minutos após o nascimento de um recém-nascido que permite avaliar a sua saúde global. O índice de Apgar é uma expressão da condição fisiológica do recém-nascido ao 1º, 5º e 10º minuto de vida. São analisados 5 parâmetros da fisiologia do recém-nascido: 1) respiração, 2) frequência cardíaca, 3) irritabilidade reflexa, 4) tónus muscular e 5) cor da pele. Para cada parâmetro, a pontuação de 0 a 2 correspondem a características específicas. É utilizada uma escala de 0 a 10 para cada uma das três avaliações, sendo quanto maior a pontuação, melhor o estado clínico do recém-nascido.
Este procedimento tem várias vantagens tanto para o bebé quanto para a mãe. Leva a um reconhecimento mútuo do recém-nascido e da sua mãe, o que estimula o vínculo entre os dois. Acalma a mãe e faz com que ela segregue a hormona ocitocina, conhecida como a "hormona da amamentação", que, além de aumentar a saída do leite e estimular a contração do útero, facilita a expulsão da placenta e diminui as perdas de sangue, o que, por si, também reduz a perceção da dor materna. O contacto precoce pele a pele entre a mãe e bebé estimula o recém-nascido a "procurar" ativamente a mama, desencadeando o seu reflexo de busca. O bebé toca a pele da mãe, sente o seu calor, cheiro, procura contato visual. Ao mesmo tempo, contribui para manter a temperatura do recém-nascido constante, estabilizando a sua frequência cardíaca, bem como a glicémia, reduzindo o stress inerente ao parto e ao choro. Também ajuda a pele e o trato gastrointestinal do recém-nascido a serem colonizados pelas bactérias da mãe (o microbioma protetor materno).
Se a mãe e o recém-nascido estiverem bem, a amamentação deve começar o mais cedo possível. Idealmente é iniciada dentro da primeira meia hora após o nascimento. As puérperas podem contar com os profissionais de maternidade que irão ajudá-las, não só a conseguir uma pega correta, como também a estimular a amamentação.
Durante o internamento, que geralmente dura 48 horas após o parto vaginal e 72 horas após o parto por cesariana, as equipas de enfermeiros e médicos realizam regularmente várias observações, incluindo a avaliação de parâmetros vitais (temperatura, pulso e pressão arterial), avaliação da involução uterina, do perineal e dos sinais/sintomas de tromboembolismo, cujo risco aumenta várias vezes. São oferecidas as medidas e medicação para controlar a dor e outros sintomas, tal como a profilaxia tromboembólica e apoio psicológico. São reavaliados os problemas crónicos de saúde materna, com ajustes na medicação.
Os conselhos específicos que prestamos antes da alta hospitalar centram-se na amamentação, cuidados com a cicatriz perineal ou da cesariana, alívio da dor e outros sintomas relacionados (desconforto devido a hemorróidas, obstipação, incontinência urinária, etc.). São focados aspetos do pós-parto como alterações emocionais e de humor, perturbações do sono, início da atividade física, contraceção e reinício da atividade sexual.
Inicialmente, pode tornar-se muito difícil regular os ritmos do sono. Recomenda-se que a mãe durma enquanto o seu bebé dorme (nem que seja por alguns minutos), e depois de sair do hospital partilhe as tarefas com o cônjuge - tarefas relacionadas com cuidados com o bebé, tarefas domésticas, e outras tarefas que possam precisar. A ajuda de familiares e amigos será, com certeza, bem-vinda nesta fase. As mulheres que deram à luz recentemente devem consultar os seus médicos, enfermeiras ou especialistas em distúrbios do sono para um aconselhamento mais personalizado.
As mães devem seguir as estratégias e medidas recomendadas pelos médicos e enfermeiros de higiene corporal e mental. Atenção especial deve ser dada aos cuidados com as mamas, lóquios e suturas cirúrgicas, sem descurar o descanso, além de lhes ser pedido um esforço para adotar medidas que permitam regularizar o ritmo do sono, assim como ter uma alimentação equilibrada.
É necessário realizar todas as consultas e todos os exames eventualmente agendados com os médicos. De facto, alguns problemas que surgiram durante a gravidez, como hemorróidas, varizes e azia, tendem a desaparecer. Outros, como hipertensão e diabetes, devem ser reavaliados e monitorizados/controlados.
As mães devem conhecer a possibilidade de surgimento de "baby blues" (melancolia pós-parto), ou seja, um conjunto de oscilações de humor autolimitadas e associadas ao reequilíbrio hormonal que ocorre após o parto. O fenómeno não é considerado uma perturbação psiquiátrica/psicológica. Os sintomas (preocupação, tristeza, irritabilidade, choro fácil, insegurança) costumam aparecer no 3º dia e duram cerca de 2 semanas.
É muito importante valorizar sem demora os sintomas do corpo e da mente que possam indicar que a mãe precisa de ajuda médica.
Se notar algum dos seguintes sinais, a mulher deve procurar assistência médica: