Doenças Raras: o que são e quem afetam

data de publicação29 Fevereiro 2024 artigo revisto por
Filomena Lima Távora  |  Médica de Medicina Geral e Familiar

As doenças raras são patologias que afetam, em média, menos de uma em cada 2 mil pessoas. Apesar da sua diminuta prevalência, estão documentadas pelas Ciências Médicas mais de 6 mil doenças raras que, de acordo com estimativas do Instituto Nacional Dr. Ricardo Jorge (INSA), ameaçam a saúde e qualidade de vida de 600 mil a 800 mil pessoas em Portugal e cerca de 30 milhões de pessoas no conjunto da União Europeia. Calcula-se que cerca de 80% das doenças raras conhecidas tenha uma origem genética, contribuindo para esse diagnóstico precoce o rastreio genético neonatal, conhecido como o “teste do pezinho”, realizado entre o 3º e o 6º dia de vida a todos os recém-nascidos.

No entanto, muitas vezes o diagnóstico das doenças raras pode ser tardio, em virtude da falta de experiência e conhecimentos científicos sobre estas patologias, assim como da semelhança dos sintomas com outras doenças mais comuns.

Por outro lado, e uma vez que a prevalência de uma doença rara é pouco expressiva na população, os tratamentos disponíveis são também escassos, como é exemplo a terminologia de “medicamentos órfãos”, ou seja, fármacos destinados a um número muito reduzido de doentes e cuja aquisição representa, de maneira geral, um valor muito oneroso para os sistemas de saúde.
Finalmente, as doenças raras não afetam apenas quem delas padece, uma vez que se calcula que dois terços dos cuidadores familiares de pessoas com doenças raras gastem mais de 2 horas diárias em tarefas relacionadas com a patologia.
O impacto social das doenças raras vai além dos doentes, afetando familiares, profissionais e instituições de saúde, assim como outras pessoas que com elas convivam, sobretudo quando a doença rara é grave, incapacitante ou difícil de controlar.
 

Caracterização das doenças raras

Num universo (conhecido) de cerca de 6 mil a 8 mil patologias, pode parecer uma tarefa impossível encontrar pontos em comum entre as doenças raras. No entanto, existem características que nos ajudam a definir os contornos do seu impacto na sociedade. As doenças raras podem:

  • Ser crónicas, progressivas, geralmente degenerativas e colocar em risco a vida
  • Ser incapacitantes, comprometendo a qualidade de vida e autonomia do paciente
  • Provocar elevado nível de dor e sofrimento, tanto para a pessoa afetada como para a sua família
  • Não ter cura efetiva, apesar de ser possível diminuir os efeitos de alguns sintomas
  • Ser maioritariamente de origem genética (cerca de 80% das doenças crónicas diagnosticadas), afetando 3% a 4% dos recém-nascidos
  • Ser provocadas também por infeções bacterianas ou virais, alergias, cancros raros ou causas degenerativas
  • Ter sintomas que, na mesma patologia, podem variar de paciente para paciente

Por outro lado, alguns números das doenças raras também nos ajudam a perceber melhor os seus desafios:

  • 85% das doenças raras afetam menos do que 1 pessoa por milhão (para ser considerado doença rara a norma é 1/2000 pessoas)
  • 75% das doenças raras afetam crianças
  • 70% dos primeiros sintomas surgem durante a infância
  • 5 anos é a média de espera que cada paciente com uma doença rara tem de aguardar pelo diagnóstico correto
  • 70% das pessoas com uma doença rara esperam mais de 1 ano para verem confirmado um diagnóstico
  • 250 é o número de medicamentos órfãos autorizados na União Europeia. O objetivo é apoiar o desenvolvimento de 1000 novas terapias até 2030.
     
Doenças raras mais prevalentes em Portugal

Muito também devido à forte componente genética da maior parte das doenças raras, algumas patologias são mais prevalentes num território do que noutros. A Talassemia, um tipo de anemia de origem genética, é relativamente rara no Nordeste europeu mas mais frequente nos países mediterrânicos. do mesmo modo, no nosso país, existem 3 doenças raras cuja prevalência se destaca:

Polineuropatia Amiloidótica Familiar

Popularmente conhecida como Doença dos Pezinhos, são conhecidos cerca de 10 mil casos em todo o mundo, sendo que metade localizam-se em Portugal, particularmente nas regiões de Vila do Conde e Póvoa do Varzim. É uma patologia que afeta os nervos periféricos e caracteriza-se por uma perda da sensibilidade e de força muscular, sobretudo dos membros inferiores. Esta patologia pode requerer um transplante hepático e o diagnóstico precoce e tratamento farmacológico atempado pode atrasar a evolução da doença.

Doença de Fabry

Patologia de origem genética, relacionada com a transmissão do cromossoma X, e cuja prevalência é maior na região de Guimarães. Os sintomas são manifestações neurológicas, dermatológicas, renais, cócleo-vestibulares, cardiovasculares e cérebro-vasculares, sendo a sua forma mais grave observada em homens.

Doença Renal Poliquística Autossómica Dominante

Esta é uma patologia cujos sintomas, na maioria dos casos, surgem tardiamente. Pode observar-se um desenvolvimento progressivo de quistos renais e um aumento dos rins. Por outro lado, esses quistos podem desenvolver-se também no fígado e pâncreas, sendo esta doença rara reconhecida como fator de risco agravado de aneurisma intra-craniano. Apesar de se poderem observar sintomas como cólicas renais, dor lombar ou abdominal, hematúria e infeções urinárias, é uma doença manifestamente silenciosa, conduzindo a doença renal crónica terminal.

 

Cartão da Pessoa com Doença Rara (CPDR)

Este é um documento digital (também pode ser impresso), criado pela Direção-Geral da Saúde, e tem como propósito garantir um melhor tratamento ao portador de doença rara em caso de urgência. O CPDR pode ser solicitado em unidades hospitalares e contém uma série de dados importantes que podem fazer a diferença no atendimento médico ao portador de uma doença rara.

Além dos dados do portador, o CPDR refere a doença, o nome e contacto do médico que acompanha, assim como cuidados pré-hospitalares e hospitalares de emergência recomendados.

Os principais objetivos do CPDR são:

  1. Assegurar que os profissionais de saúde tenham acesso a informação relevante da pessoa com doença rara e à especificidade da sua situação clínica, em situações de urgência e/ou emergência
  2. Simplificar e agilizar o encaminhamento rápido do doente para a unidade de saúde que assegure eficazmente os adequados cuidados a serem prestados ao doente
  3. Otimizar a gestão dos cuidados de saúde disponíveis, evitando assim atrasos e métodos que possam prejudicar o doente

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Filomena Lima Távora

Médica de Medicina Geral e Familiar