Doença de Crohn: o que é e como combater os sintomas

data de publicação03 Fevereiro 2023 artigo revisto por
Susana Mão de Ferro  |  Gastrenterologista
A doença de Crohn é uma doença inflamatória crónica do tubo digestivo. Pode afetar qualquer secção do trato intestinal (da boca ao ânus), mas é mais frequente nas zonas finais do intestino delgado (íleo) e no intestino grosso (cólon). Não existe cura para esta doença autoimune, uma vez que a inflamação é provocada por uma reação exagerada do sistema imunitário à presença de determinados microrganismos. No entanto, a Medicina oferece tratamentos que, em muitos casos, permitem que se viva com qualidade de vida durante longos períodos de tempo.
Fique a conhecer o que é a doença de Crohn, os seus sintomas, tratamentos e medidas que podem melhorar o dia a dia de quem vive com esta doença.
 
Causas desconhecidas
Não existe um consenso para o que provoca a doença de Crohn. No entanto, o estudo desta patologia aponta para causas genéticas e fatores ambientais que têm a ver sobretudo com a alimentação e/ou exposição a determinados organismos (bactérias, fungos, vírus, etc.).
Por um lado, existe 20% de risco de se vir a ter doença de Crohn se um familiar direto (pai ou mãe) tiver a doença. Por outro, desde meados do século XX que a incidência da doença tem aumentado, o que coloca a hipótese de, por exemplo, o consumo de alimentos processados, com ingredientes artificiais, possa estar a desencadear respostas imunitárias descontroladas. Ainda relativamente a fatores ambientais, o ambiente cada vez mais higienizado onde as crianças vivem pode estar a privá-las do contacto com bactérias que poderiam “ensinar” o sistema imunitário a lidar com os microrganismos de forma adequada. Ao entrar em contacto com determinados microrganismos mais tardiamente, pode espoletar a doença de Crohn. 
 
Quem é mais afetado?
A doença de Crohn afeta sobretudo pessoas entre os 17 e os 39 anos de ambos os sexos. No entanto, observa-se uma segunda maior incidência desta patologia a partir dos 50 anos. De maneira geral, a maior parte dos casos é diagnosticado por volta dos 30 anos de idade, apesar de existirem casos com diagnóstico em idade pediátrica, podendo afetar o crescimento e o desenvolvimento. A idade do diagnóstico é também relevante para a projeção da evolução da doença e da sua vigilância no futuro.
 
Evolução e sintomas da doença de Crohn
A doença de Crohn resulta de uma resposta imunitária exagerada que provoca inflamação no tubo digestivo. A inflamação surge, primeiramente, na mucosa intestinal que forra o tubo digestivo, provocando úlceras na zona afetada. Com a evolução da doença, a inflamação pode ainda atingir camadas mais profundas e provocar fissuras (fístulas) ou cicatrizes que provocam apertos (estenoses) no tubo digestivo.
Outros sinais com potencial incapacitante são abcessos na zona perianal e no abdómen, que prejudicam severamente a qualidade de vida.
Os sintomas podem surgir de modo gradual ou de forma súbita. Entre os sintomas mais comuns incluem-se:
  • Dor abdominal e cólicas
  • Diarreia, em alguns casos com sangue
  • Febre
  • Perda de apetite e de peso
  • Anemia
  • Défices nutricionais
  • Lesões e feridas na pele junto ao ânus
Podem manifestar-se ainda inflamações noutras zonas do corpo fora do tubo digestivo, como dores ou inflamação articular, inflamação ocular, complicações nos canais biliares, litíase renal ("pedras nos rins") e manifestações cutâneas.
Se tem algum destes sintomas, não quer dizer que tenha doença de Crohn, mas são boas razões para ser visto por um médico. 
 
Diagnóstico e exames complementares
O diagnóstico da doença de Crohn é complexo e pode ser demorado. Há que distinguir a doença de Crohn de outras inflamações do tubo digestivo, como por exemplo, a colite ulcerosa, cujos sintomas podem ser semelhantes em alguns casos.
Primeiramente, o seu médico de família traçará o seu historial clínico, podendo ser-lhe prescrito uma série de exames complementares de diagnóstico. Caso se justifique, poderá ser encaminhado para uma consulta de especialidade com um Gastrenterologista. Podem ser-lhe prescritas análises clínicas para verificar se tem (ou não) anemia ou se se confirma a presença de algum processo inflamatório.
A Endoscopia e/ou Colonoscopia, realizados por um médico Gastrenterologista, são exames que permitem a recolha de tecido para pesquisa num Laboratório de Anatomia Patológica, podendo ser muito úteis no diagnostico. Finalmente, poderão também ser prescritos exames de TC (TAC), Ressonância Magnética ou Cápsula Endoscópica para avaliar a extensão das lesões.
 
Estratégias de tratamento
Não existe cura para a doença de Crohn, mas com um diagnóstico preciso e uma estratégia terapêutica eficaz, é possível ter qualidade de vida durante longos períodos de tempo sem que a doença se manifeste.
Uma vez que a doença de Crohn é autoimune, a regulação e inibição do sistema imunitário são fundamentais. Para isso, recorre-se a medicamentos como:
  • Anti-inflamatórios específicos
  • Imunomoduladores, para regular a imunidade
  • Imunossupressores, para inibem a ação do sistema imunitário
  • Corticoides
  • Fármacos biológicos constituídos por anticorpos que diminuem a inflamação
  • Analgésicos
  • Suplementação alimentar
Por vezes, podem surgir complicações, como a obstrução intestinal (aperto do intestino), que necessita de cirurgia para remoção dessa secção do intestino.
Por outro lado, há que ter em atenção que a toma prolongada de medicação para a doença de Crohn pode ter efeitos secundários indesejáveis, como a inibição dos mecanismos imunitários que podem permitir infeções noutras áreas do corpo além do sistema digestivo.
 
Viver com a doença de Crohn
A doença de Crohn pode ter um impacto físico e emocional desafiante. A adoção de comportamentos saudáveis que não espoletem crises inflamatórias é fundamental para controlar a doença.
Se for fumador, deixar de fumar é a principal medida para reduzir a frequência de crises.
De maneira geral, deve-se evitar:
  • Estar muitas horas sem beber água (uma vez que é importante manter-se hidratado)
  • Beber café ou outras bebidas com cafeína
  • Beber álcool ou bebidas com gás
Por outro lado, consulte o seu médico sobre as vantagens de tomar um suplemento multivitamínico para evitar a perda de peso.
Importante também é evitar medicamentos que possam agravar a doença. Alguns medicamentos de venda livre, como o ibuprofeno ou anti-inflamatórios não esteroides, são fármacos que podem originar atividade inflamatória. Fale com o seu médico sobre alternativas.
 
Impacto na saúde mental
É importante também não se esquecer da sua saúde mental. Evitar o stress, praticar exercício físico, técnicas de relaxamento ou respiração, podem ser muito importantes para não colocar ainda mais em risco o seu sistema imunitário. Além disso, lidar com sintomas como dor abdominal, flatulência ou diarreia, pode ser stressante e, por si só, constituir causa de ansiedade. Aprenda o máximo que conseguir para poder controlar a sua doença, e se se sentir ansioso e/ou deprimido, consulte um Psicólogo com experiência na doença ou fale com o seu médico para uma recomendação.

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Susana Mão de Ferro

Gastrenterologista