Microbiota intestinal: saiba o que é e o que faz por si

data de publicação01 fevereiro 2023 artigo revisto por
Dr. António Dias Pereira  |  Gastrenterologista

A microbiota intestinal é um sistema dinâmico, composto por microorganismos que têm uma influência importantíssima na nossa vida. Fique a saber no que consiste a microbiota intestinal, que funções desempenha, e como a adoção de um estilo de vida saudável pode ajudar a que estes microrganismos contribuam para a nossa saúde.
 

O que é a microbiota?

Em 1670, Antoine van Leewenhoek descobriu na lamela do seu microscópio diversos pequenos organismos a que hoje chamamos microbiota intestinal. Passados mais de 350 anos, ainda há muito para desvendar sobre a microbiota. Hoje sabemos que é um verdadeiro ecossistema de microrganismos que evoluíram para fazer do nosso corpo a sua casa, tirando proveito do que comemos e, em troca, ajudam-nos a metabolizar nutrientes essenciais e a defendermo-nos de microrganismos nefastos à saúde.

A microbiota é composta por milhares de biliões (1014) de bactérias, vírus, fungos e outros microrganismos. O seu número é tão vasto que existem mais células da microbiota do que células do corpo humano. Na verdade, a microbiota existe em todo o corpo, mas é no intestino que se encontram em maior quantidade. Entre os microrganismos que compõem a microbiota intestinal distinguem-se várias espécies:

  • Bactérias
  • Arqueobactérias
  • Fungos
  • Protozoários
  • Bacteriófagos (vírus que destroem determinados tipos de bactérias)

A composição da microbiota intestinal é diferente de pessoa para pessoa e está bastante dependente do nosso estilo de vida.
 

Ao longo da vida

Alguns estudos apontam para que haja já uma transferência de bactérias da microbiota da mãe para o feto através da placenta. Na altura do parto, chegam determinadas bactérias essenciais ao intestino do recém-nascido. Aliás, dependendo do tipo de parto, natural ou por cesariana, há diferenças entre o tipo de microrganismos que colonizam o intestino do bebé. Do mesmo modo, a microbiota varia também pelo simples facto do bebé ser alimentado por leite materno ou por leite de fórmula. Aliás, sem a presença de uma determinada bactéria especializada (Bifidobacteria), o recém-nascido nem sequer seria capaz de metabolizar os açúcares do leite. À medida que mais alimentos vão sendo introduzidos, o número de diferentes microrganismos presentes na microbiota intestinal aumenta e diversifica-se.

A partir dos 2 a 3 anos de idade, a microbiota intestinal estabiliza, mantendo a sua forma durante a maior parte da idade adulta, continuando a ser afetada pelo que comemos, pelo exercício que praticamos, pelo sono ou pela medicação que tomamos.
 

Funções da microbiota intestinal

Os diversos microrganismos que compõem a nossa microbiota intestinal desempenham várias funções indispensáveis ao saudável funcionamento do nosso corpo. Entre elas destacamos:

Metabolizar energia dos alimentos digeridos

A ação da microbiota permite decompor moléculas complexas provenientes de alimentos como carne e vegetais. Damos como exemplo vitaminas essenciais como a vitamina K, aminoácidos ou vitamina B12 ou ácido fólico, por exemplo. Por outro lado, a microbiota digere as fibras, produzindo ácidos gordos de cadeia curta. Além disso, promovem a absorção de minerais essenciais como o ferro, magnésio ou cálcio. Por outro lado, ter uma microbiota saudável ajuda a regular o apetite, na medida em que contribui para a sensação de saciedade.
 

Proteger o organismo contra agentes patogénicos

A microbiota acaba por “competir” contra bactérias invasoras pelos nutrientes. Numa pessoa com uma boa microbiota é muito mais difícil observarem-se casos de infeção provocadas por salmonela, por exemplo, ou por outras bactérias nocivas ao organismo.
 

Regular a função imunitária

Os microrganismos que compõem a microbiota “ensinam” o sistema imunitário a reconhecer substâncias benéficas ao organismo e a destruir substâncias tóxicas. A este processo denomina-se imunidade adaptativa.
 

Fortalecer as barreiras bioquímicas do intestino

Os microrganismos da microbiota sintetizam hidratos de carbono indigeríveis em ácidos gordos que serão fonte de energia para as células do revestimento do intestino, facilitando a absorção de sal e água, além de sintetizarem proteínas e vitaminas do complexo B. Este é um dos processos que fortalece a barreira física do intestino contra agentes patogénicos.
 

Ajudar a microbiota é ajudar-nos a nós

A microbiota é um sistema dinâmico cuja eficiência depende da saúde do hospedeiro e das suas escolhas de alimentação e estilo de vida. Vários estudos demonstram que um desequilíbrio na microbiota, denominado disbiose intestinal, pode estar na origem de doenças como a obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, síndrome do intestino irritável, asma, cancro, doença celíaca, esclerose múltipla ou síndromes do espectro do autismo, por exemplo. Nesse sentido, adotar comportamentos saudáveis é benéfico não só para os microrganismos que nos colonizaram como também para a nossa própria saúde.

Alimentação amiga da microbiota

O consumo de açúcares, gordura, sal e aditivos alimentares pode conduzir à diminuição das bactérias benéficas e ao aumento de inflamação e consequente doença. A adoção de uma alimentação variada e equilibrada, como a Dieta Mediterrânica, promove a manutenção de uma microbiota intestinal saudável. Entre os alimentos que se destacam estão os ricos em fibra (prebióticos), como a aveia ou o trigo, além dos vegetais ricos em betacaroteno, zinco, ferro e polifenóis, como a cenoura, espinafres, leguminosas, fruta ou ervas aromáticas. O azeite, por ser uma gordura monoinssaturada, também tem um impacto positivo na microbiota, assim como o consumo de peixes gordos, dos quais a sardinha ou o carapau são exemplos.
 

Exercício físico regular

Vários estudos têm apontado para uma maior diversidade de microorganismos em pessoas que praticam exercício físico regular, sobretudo quando são comparados a microbiota de pessoas sedentárias. Por outro lado, a atividade física é um excelente antídoto ao excesso de peso e obesidade, condições que, além de terem impacto negativo (também) na microbiota intestinal, refletem-se na saúde em geral.
 

Medicamentos

A toma de alguns tipos de medicamentos, como os antibióticos, podem ter um impacto negativo na microbiota intestinal. Estes fármacos, além de eliminarem bactérias nocivas, também diminuem o número de bactérias da microbiota intestinal. Aconselhe-se com o seu médico sobre a toma de probióticos quando estiver a tomar antibióticos, de modo a que possa compensar a sua microbiota intestinal.
 

Manter uma higiene do sono saudável

Vários estudos apontam para que uma má higiene de sono promova disbiose intestinal. A manutenção de um sono de qualidade e em quantidade de horas tem um impacto positivo na microbiota intestinal.
 

Antistress, pro-microbiota

Em situações de stress, o cérebro segrega cortisol na corrente sanguínea, dirigindo energia para zonas do corpo que necessitem de ser mais irrigadas, como os membros, por exemplo. Em resultado, a digestão atrasa e os níveis de acidez no estômago alteram-se. Se o stress for crónico, poderá trazer distúrbios na microbiota intestinal que podem desencadear inflamação e doença. A prática de Meditação é uma boa solução para ajudar a controlar episódios de stress e pode contribuir para a manutenção de um equilíbrio saudável dos microrganismos que compõe a microbiota intestinal.

 

Microbiota e COVID-19

A doença provocada pelo vírus do SARS-CoV-2 é ainda relativamente recente, desconhecendo-se muitas das consequências que a infeção deixa no corpo humano e, também, no equilíbrio da microbiota intestinal. Estudos recentes têm apontado para um impacto complexo do vírus da COVID-19 na microbiota humana. Por um lado, diminui o número de microrganismos, deixando espaço livre para que bactérias nocivas proliferem no intestino. Isso provoca disbiose, que, por sua vez, fragiliza a barreira do intestino, permitindo a passagem de bactérias para a corrente sanguínea. O resultado, verificado em vários pacientes, é que essas bactérias acabam por provocar infeções secundárias, algumas de gravidade severa, em várias partes do corpo.

A microbiota intestinal funciona como um ecossistema sensível a muitas perturbações, e o seu equilíbrio pode ser afetado por vírus como o SARS-CoV-2.

Artigo revisto por

António Dias Pereira

Gastrenterologista

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