Fígado gordo: epidemia “silenciosa”

data de publicação11 Abril 2024 artigo revisto por
Susana Mão de Ferro  |  Gastrenterologista

O fígado gordo é uma doença que resulta da acumulação de gordura nas células deste órgão. Também conhecida como esteatose hepática, calcula-se que esta patologia (que pode ser assintomática durante décadas) afete mais de 1 milhão de portugueses. Fique a conhecer o que é o fígado gordo, as suas causas e consequências, assim como de que forma a adoção de comportamentos saudáveis pode ajudar a prevenir e até a reverter a doença.
 

Acumulação de gordura no fígado

O fígado é um órgão com cerca de 5000 funções conhecidas no nosso organismo. Entre elas, consta a transformação das gorduras ingeridas em energia consoante as necessidades do organismo. No entanto, quando as gorduras consumidas ultrapassam a energia gasta pelo corpo, o excedente é armazenado no tecido adiposo. À medida que este desequilíbrio entre a gordura consumida e a energia gasta se acentua, o organismo começa a acumular gordura noutras zonas do corpo, até que o órgão começa a ter dificuldade em transformá-la em energia e a gordura começa a alojar-se também nas células do próprio fígado. Quando mais de 5% da massa do fígado é constituída por gordura, o doente tem o fígado gordo (esteatose hepática). A gordura, por si só, não é uma ameaça à saúde. Mas quando associada à inflamação, pode ocorrer a fibrose e dar origem a cirrose e até a cancro hepático.
 

Causas do fígado gordo

A prática prolongada no tempo de comportamentos pouco saudáveis está por trás da maior parte dos casos de fígado gordo. Falamos do consumo excessivo e continuado de bebidas alcoólicas, assim como de uma alimentação desregrada, rica em açúcares e gorduras saturadas, além do sedentarismo e a ausência de  exercício físico. Estes comportamentos podem não ter consequências no curto prazo, mas, se não forem controlados, vão conduzir ao fígado gordo, assim como a outros problemas de saúde que potenciam a acumulação de gordura no fígado.
São, assim, causas frequentes desta patologia:

  • Consumo excessivo de álcool
  • Excesso de peso e obesidade
  • Diabetes
  • Dislipidemia: níveis elevados de colesterol e triglicéridos no sangue
  • Toma prolongada de alguns fármacos, como, por exemplo, o valproato de sódio (antiepilético)
     
Quem afeta?

Calcula-se que 1 em cada 4 pessoas tenha fígado gordo. Esta condição é mais prevalente nas pessoas obesas e nos diabéticos.
Por outro lado, nas crianças com excesso de peso e obesas, esta é uma doença cada vez mais frequente devido aos maus hábitos alimentares e à falta de exercício físico crescente nesta faixa etária. Alguns estudos apontam para que cerca de 5% das crianças tenham fígado gordo, aumentando este rácio para entre 20% a 50% nas crianças obesas. Recorde-se que, de acordo com dados de 2022, 31,9% das crianças portuguesas entre os 6 e os 8 anos tinha excesso de peso, das quais 13,5% eram obesas. Com uma dieta equilibrada e após alguns meses de exercício físico é possível normalizar alguns casos de fígado gordo.

 

Epidemia “silenciosa”

A maioria das pessoas não apresenta sintomas significativos durante décadas. Quando finalmente surgem, podem assumir a forma de cansaço e dor ou desconforto no quadrante superior direito do abdómen. Pode provocar também perda de apetite, náuseas e vómitos. Finalmente, nas formas mais graves da doença pode condicionar cirrose hepática que se pode manifestar por icterícia e/ou distensão do abdómen por acumulação de líquido (ascite ou “barriga de água”).
A vigilância e o controlo do fígado gordo são essenciais para evitar o cenário de carcinoma hepatocelular, uma vez que é um cancro que é cada vez mais comum em pessoas com fígado gordo não alcoólico sem cirrose, sobretudo idosas e com diabetes.

 

Como é realizado o diagnóstico?

O diagnóstico de fígado gordo pode ser realizado por ecografia abdominal, cujas imagens podem revelar um órgão com um maior volume e/ou com alterações sugestivas de acumulação de gordura. O aumento das enzimas hepáticas nas análises clínicas de pessoas com excesso de peso, diabéticos ou com excesso de colesterol podem levar também à suspeição da doença. O diagnóstico definitivo de fígado gordo pode ser confirmado mediante uma biópsia.
 

Tratamento e prevenção

Em muitos casos, a modificação do estilo de vida pode alterar a evolução desta doença. Perder peso, controlar o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, adotar uma alimentação variada e equilibrada, assim como praticar exercício físico são aspetos fundamentais não só para prevenir como para evitar a progressão do fígado gordo.
Por outro lado, e uma vez que esta doença também está associada à diabetes e à obesidade, a terapia deve incidir no tratamento destas duas patologias.

Artigo revisto por

Susana Mão de Ferro

Gastrenterologista