Perturbação Afetiva Bipolar: é possível viver bem com a doença

data de publicação30 março 2023 artigo revisto por
Dra. Maria Conde Moreno  |  Psiquiatra

A Perturbação Afetiva Bipolar caracteriza-se por episódios de alteração do humor que podem oscilar entre mania (euforia) e depressão, podendo também ocorrer episódios mistos. Estas alterações do humor podem ter intensidades diferentes, e têm consequências nas emoções, ideias e comportamento da pessoa, podendo condicionar a sua saúde e autonomia.
Muitas vezes, é difícil que a pessoa perceba que está doente, sobretudo se estiver numa fase de mania, sentindo-se com mais energia e mais confiante. No entanto, na Perturbação Afetiva Bipolar, pode haver o “reverso da medalha”, ocorrendo um episódio depressivo que pode espoletar ideias de morte ou tentativas de suicídio.
Entretanto, entre estes episódios, existem períodos de estabilidade. Calcula-se que cerca de 3% a 5% da população sofra de Perturbação Afetiva Bipolar, afetando numa percentagem equivalente homens e mulheres. Apesar de não se conhecerem por inteiro as causas desta perturbação psiquiátrica, sabe-se que, por um lado, existem fatores genéticos e biológicos que alteram a química do cérebro. É fundamental reconhecer os sintomas desta perturbação, aprender a identificar fatores desencadeantes de episódios de alterações de humor (períodos de privação de sono, por exemplo) e saber que, com a estratégia de tratamento adequada, as fases extremas podem ser controladas, sendo possível manter períodos de estabilidade duradouros.
 

Reconhecer os sintomas

É de extrema importância identificar os sintomas de episódios de mania e depressão (ou mistos) da Perturbação Afetiva Bipolar. Este reconhecimento nem sempre é fácil. Por outro lado, é importante que quem esteja de fora (família, amigos, médico de família e outros profissionais de saúde) perceba que o comportamento da pessoa pode dever-se à Perturbação Afetiva Bipolar. Aqui elencamos algumas características típicas dos sintomas dos episódios maníacos e depressivos.


Mania

O principal sintoma é um estado de humor elevado e expansivo, eufórico e/ou irritável. Nas fases mais leves da mania (hipomania) a pessoa sente-se alegre, sociável, ativa, faladora, autoconfiante, inteligente ou criativa. No entanto, esta fase pode evoluir para uma aceleração psíquica, fazendo surgir alguns ou todos estes sintomas:

  • Irritabilidade extrema, demonstrando-se muito exigente com os outros e zangando-se quando os seus desejos e vontades não são atendidos
  • Discurso muito rápido, pensamento acelerado, interrupção do discurso dos outros e mudanças frequentes de assunto
  • Reação excessiva a comentários banais e interpretação errada de acontecimentos
  • Despesas excessivas e fora do normal, ofertas exageradas e eventual acumulação de dívidas
  • Sentimento de grandiosidade e aumento do amor próprio, sentindo-se mais poderoso e forte do que toda a gente
  • Hiperatividade e diminuição da necessidade de dormir
  • Aumento da vontade sexual e desinibição com escolhas estranhas ao seu caráter
  • Incapacidade em reconhecer que se está doente - Perda de noção da realidade e, por vezes, “ouvir vozes” (delírios e alucinações)


Depressão

A tristeza e a falta de prazer nas atividades de que habitualmente se gosta são os principais sintomas. Em função da gravidade desta fase, podem surgir alguns ou todos os seguintes sintomas:

  • Obsessão com pensamentos negativos de fracasso, incapacidade e perda de autoestima
  • Sentimentos de inutilidade, desespero e autoculpa excessiva
  • Esquecimentos, dificuldade em concentrar-se e em tomar decisões
  • Perda de interesse generalizado (atividade profissional, hobbies e pelas pessoas, incluindo os familiares e amigos)
  • Preocupação excessiva com queixas físicas
  • Agitação e inquietação constantes ou, pelo contrário, perda de energia, cansaço e inação total
  • Alterações do apetite e flutuações de peso
  • Alterações do sono, insónia ou sonolência em excesso
  • Diminuição do desejo sexual
  • Choro fácil ou vontade de chorar sem ser capaz de o fazer
  • Ideias de morte, podendo haver tentativas de suicídio
  • Perda da noção da realidade, ideias estranhas (delírios) e “vozes” com conteúdo negativo e depreciativo


Existem ainda casos em que estas fases sobrepõem-se, caracterizando-se esse tipo de Perturbação Afetiva Bipolar como de “crises mistas”, envolvendo, numa mesma fase, períodos de mania e depressão.

 

Quando e como ocorrem as crises?

Cerca de 60% das pessoas diagnosticadas com Perturbação Afetiva Bipolar recorda os primeiros sintomas antes ou durante a adolescência. No entanto, em média, o diagnóstico correto pode demorar cerca de 8 anos.
Sem tratamento, a frequência das crises tende a aumentar, podendo corresponder às mudanças de estação (no Verão e no Inverno), ou mesmo em ciclos de mania e depressão ininterruptos.
No início, é possível que as primeiras crises sejam espoletadas por fatores emocionais, stress ou alterações de sono. Com o passar do tempo, as crises podem surgir com mais frequência No entanto, com a terapêutica adequada, é possível controlar as crises e a pessoa (e os que com ela se relacionam) se volte a reconhecer.

 

Como tratar a Perturbação Afetiva Bipolar?

O primeiro passo é reconhecer a doença e procurar ajuda de um médico Psiquiatra. Posteriormente, é muito importante que todos os intervenientes na saúde do indivíduo (o próprio, família, amigos, médico de família, enfermeiro, psicólogo, etc.) estejam informados acerca da sua condição. O tratamento da Perturbação Afetiva Bipolar assenta em 3 pilares fundamentais: Medicação, Psicoterapia e Psicoeducação. Vejamos que estratégias podem ser adotadas em cada uma destas vertentes, tendo em perspetiva que o tratamento deve ser personalizado e adequado a cada caso.


Medicação

Os fármacos mais relevantes para o controlo dos episódios da Perturbação Afetiva Bipolar são os os estabilizadores de humor (lítio, valproato e carbamazepina) . Pode haver ainda a necessidade de serem prescritos antipsicóticos (que bloqueiam os neurotransmissores de dopamina e/ou seratonina), os ansiolíticos (que aliviam a ansiedade e ajudam a dormir), os antidepressivos e/ou os medicamentos para dormir (hipnóticos).
A medicação deve ser tomada, diariamente, tal como prescrita pelo médico. No entanto, é expectável que possa demorar algum tempo até que seja encontrado o ponto ótimo da sua eficácia, dependendo disso o tipo de medicamento, dosagem e resposta individual à terapêutica. É, por isso, de extrema importância que a pessoa esteja em contacto com o seu médico Psiquiatra se sentir que o seu humor está-se a alterar. Pode ser necessário o ajuste da dosagem e/ou medicação de modo a prevenir uma crise.


Psicoterapia

Existe evidência de que a Psicoterapia, em particular a a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), possa trazer benefícios no reconhecimento de atitudes e comportamentos que sinalizem que a pessoa possa estar a entrar numa fase de mania ou de depressão. Alguns dados apontam para uma diminuição de recaídas com a frequência de sessões de TCC em conjunto com a medicação.


Psicoeducação

Com a exceção de episódios de crise com início súbito, é possível que as pessoas com Perturbação Afetiva Bipolar reconheçam os sinais do início de um de mania. Se o doente identificar precocemente sinais que possa estar a entrar numa crise de mania, deve entrar em contacto com o seu médico, discutir eventuais alterações da dosagem da medicação ou eventual prescrição de novos medicamentos. A lógica é manter um equilíbrio ajustado à fase e aos sintomas que a pessoa sente.
É igualmente importante escutar aqueles que nos são próximos, como a família e (aprender a) pedir ajuda. Nesse sentido, deve-se também evitar bebidas estimulantes, como o café ou o chá, evitar o consumo de álcool, não sobrecarregar a agenda com compromissos e lembrar-se de dormir. Deverá avisar os que lhe são próximos que pode estar “acelerado” e ter cuidado com compras excessivas, pedindo aos familiares para ficarem com cartões bancários ou de crédito.

 

Há vida além da Perturbação Afetiva Bipolar

Não existe cura para a Perturbação Afetiva Bipolar. Mas como acontece com tantas outras doenças, de natureza mental ou não, o seu controlo é possível. Tal como acontece em patologias como a diabetes ou a hipertensão arterial. Como? Com literacia sobre a Perturbação Afetiva Bipolar, com autoconhecimento dos gatilhos que espoletam as crises, com um diagnóstico médico estabelecido, com a medicação adequada, e com a ajuda de todos os intervenientes na nossa saúde: médicos, profissionais de saúde, familiares e amigos.
Além destas recomendações, a adoção de um estilo de vida saudável, que inclui a alimentação, atividade física, o sono e uma gestão equilibrada do stress, são aspetos fundamentais para a manutenção não só da saúde mental, mas também da saúde em geral.

Artigo revisto por

Maria Conde Moreno

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