Perda auditiva: é melhor baixar(mos) o som

data de publicação13 julho 2023 autor do artigo
Dr. Tiago Eça  |  Otorrinolaringologista
O que é a Perda Auditiva?
A perda auditiva é um termo lato que abrange dois conceitos. Por um lado, a hipoacusia, ou surdez, que consiste na diminuição da capacidade de detetar som. Por outro, a perda de discriminação, ou seja, a perda da capacidade de ouvir e de perceber o que se está a ouvir (distinção de dois sons diferentes).
A perda auditiva pode acontecer de forma fisiológica, denominada de presbiacusia, e é consequência do normal envelhecimento das estruturas do ouvido interno. No entanto, a perda auditiva pode ser antecipada, ou mesmo agravada por determinados comportamentos como a exposição a fatores de risco, nomeadamente a exposição excessiva a ruído.
 
Discotecas, concertos e auscultadores: fatores de risco de perda auditiva
A exposição ao ruído pode ser nociva para o ouvido interno tendo em conta 2 fatores: a intensidade do ruído (volume) e a duração da exposição.
Na escala utilizada habitualmente para classificar a intensidade do som, importa começar por frisar que o limiar considerado normal para deteção de som se encontra entre os 20 e 30 dB (decibel). Globalmente, está definido que o limite de tolerância ao ruído em contexto laboral, antes que este se torne nocivo à saúde, é de 80 dB durante 8 horas. A partir desta intensidade, exposições mais curtas podem também ser nocivas. Por exemplo, estar exposto a um ruído superior a 100 dB por mais de 20 minutos pode gerar lesão no ouvido interno.
Se tivermos em conta que, nas discotecas em Portugal, é permitida uma intensidade sonora até 120 dB, e que a maioria dos dispositivos pessoais (auscultadores) transmitem som até 100 ou 105 dB, podemos perceber que a exposição a estes níveis pode conduzir à perda auditiva.
Do mesmo modo, em concertos e festivais de música, dependendo da proximidade que uma pessoa está das colunas, a intensidade pode mesmo ultrapassar os 100 dB, sendo que a duração desses eventos pode ir desde os 90 minutos (concerto) a várias horas, como acontece num festival de música que pode ter uma programação ao longo de vários dias.
 
Sinais de perda auditiva e outros sintomas
Existe uma série de sinais de alerta que podem evidenciar, de maneira geral, que uma pessoa possa estar em perda auditiva. Destes destacamos:
  • Quando o próprio começa a perceber que ouve melhor de um ouvido que outro ao telefone
  • Quando tem de pedir às pessoas ao seu redor para repetirem muitas vezes o que disseram
  • Quando ouve o que disseram mas não percebeu
  • Quando as pessoas à sua volta se queixam que está a ouvir TV muito alto ou música muito alto e o próprio não se apercebe disso
Além da perda auditiva, o primeiro sintoma de lesão do ouvido interno é o zumbido (acufeno), que surge após a exposição ao ruído demasiado intenso. Esta experiência é praticamente universal a todas as pessoas que já foram a um concerto ou a uma discoteca e é sinal de que houve lesão do ouvido interno. Esta lesão pode ser reversível ou não.
 
Que medidas podemos tomar para prevenir a perda auditiva
A limitação de volume na utilização de auscultadores ou auriculares, assim como evitar a exposição a ambientes com ruído acima do recomendado, são  aspetos fundamentais para prevenir a perda auditiva e possíveis lesões do ouvido interno.
Por outro lado, se formos a uma discoteca ou a um festival de música, devemos ter em conta a seguinte equação: a partir dos 85 dB (nível de ruído do trânsito ou de um restaurante muito movimentado), cada aumento de 3 dB equivale a uma duplicação da energia sonora, o que significa que o tempo de exposição deve ser reduzido para metade. Isto significa que bastam 5 minutos de exposição a 105 dB para se ultrapassar a “dose diária máxima recomendada”.
Neste sentido, destacamos as seguintes medidas preventivas:
  • Baixar o volume do som que ouvimos (nos auscultadores, por exemplo) é a primeira medida para nos protegermos
  • Descansar o ouvido interno depois de um concerto é importante. Cerca de 8 horas em descanso por cada hora de exposição a um nível superior aos 100 dB
  • Se utilizados corretamente num concerto, por exemplo, os dispositivos de proteção auditiva (tampões), muitas vezes usados por músicos profissionais, podem ser uma boa forma de prevenção da perda auditiva
  • Evitar doenças sistémicas como a Hipertensão e a Diabetes (patologias que também são fatores de risco para perda auditiva) através da manutenção de um estilo de vida saudável
 
Diagnóstico e Reabilitação
O diagnóstico da perda auditiva implica sempre uma consulta com um médico Otorrinolaringologista, de modo a realizar um exame de audição que avalie quer a capacidade de deteção de som (Audiometria Tonal), bem como a compreensão (Audiograma Vocal).
Relativamente à reabilitação, a abordagem já vai depender da origem da perda auditiva avaliada pelo Otorrinolaringologista. Temos causas que são muito frequentes, como os rolhões de cera, que podem ser removidos em consulta e ficar com o problema resolvido imediatamente.
Por outro lado, há situações que beneficiam de tratamento cirúrgico e outros casos de perda auditiva que são reabilitados através da adaptação a próteses auditivas (aparelhos).
Cada caso é um caso. Por isso, é fundamental ser avaliado em consulta de Otorrinolaringologia e decidir, em conjunto com o médico, qual a melhor estratégia.
 

Porque é que é importante prevenir e reabilitar a perda auditiva
A perda auditiva é, por si só, um fator de risco para o desenvolvimento de demência. Além disso, é um fator de risco para isolar socialmente as pessoas, nomeadamente as mais idosas, impedindo-as de ter prazer em atividades sociais porque não conseguem ouvir ou compreender o que lhes é dito.
Por outro lado, e de acordo com um estudo publicado no BMJ Global Health, mais de mil milhões de pessoas entre os 12 e os 34 anos, em todo o mundo, estão em risco de perda auditiva induzida pelo ruído.
O estudo, que reuniu dados entre 2000 e 2021, refere que cerca de 24% dos jovens ouvem sons em auriculares em níveis pouco seguros, assim como cerca de 48% pelo menos uma vez por mês vão a discotecas e concertos onde são expostos a níveis pouco seguros de som.
Este estudo não se refere a pessoas com perda auditiva diagnosticada. Aponta apenas para uma população jovem que está em risco de perda auditiva. Se, num primeiro momento da vida, a perda auditiva tem pouco impacto no dia a dia, com o passar dos anos pode ter consequências que se podem ir da depressão ao declínio cognitivo.
A OMS estabeleceu novas recomendações para limitar o risco de perda auditiva, que passam por estabelecer em discotecas e locais de género um nível sonoro máximo, assim como disponibilizar zonas de silêncio e equipamentos de proteção individual auditiva, entre outras recomendações.
 

Autor do artigo

Tiago Eça

Otorrinolaringologista

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