Insuficiência cardíaca: o que é e o que a provoca

data de publicação26 Abril 2024 autor do artigo
Carla Matias  |  Cardiologista

A insuficiência cardíaca resulta da dificuldade do coração bombear sangue para o resto do corpo, situação que coloca em risco o organismo, uma vez que deixa de receber os nutrientes e o oxigénio que necessita para funcionar de forma saudável. É habitualmente uma doença crónica, grave, que pode estar associada a várias doenças ou resultar de um processo degenerativo da idade, podendo ainda ter uma apresentação aguda (súbita e grave).
 

Quem afeta?

Calcula-se que, em Portugal, a insuficiência cardíaca afete cerca de 4,4% dos adultos, sendo que, se afinarmos a lupa para pessoas acima dos 80 anos, esta percentagem sobe para os 16%. Aliás, a partir dos 65 anos, constitui a principal causa de internamento. Por outro lado, a insuficiência cardíaca coexiste com outras patologias (infelizmente também muito frequentes) como a diabetes e a obesidade, e as previsões são de agravamento do impacto desta doença na saúde: até 2030 calcula-se que vá haver um aumento de 50% a 70% de insuficiência cardíaca na população.
 

Sintomas que nos dão algumas pistas

A insuficiência cardíaca desenvolve-se porque o coração enfraquece e se dilata ou torna-se espesso e rígido, tornando-se incapaz de bombear o sangue de modo eficaz.

Um dos principais sintomas é o cansaço, que vai ocorrendo em esforços cada vez menores, ou mesmo durante o repouso e que pode assumir a forma de falta de ar ou de falta de forças, por vezes extrema.

Há uma série de sintomas que resultam de mecanismos com que o organismo compensa a crescente incapacidade em fazer chegar o sangue rico em nutrientes e oxigénio a todo o corpo.

Esta compensação pode resultar num aumento da força e da contração do músculo cardíaco e do ritmo, situação que pode gerar palpitações. Também podem surgir arritmias, ou estas serem a causa da insuficiência cardíaca, manifestando-se como palpitações, sensação de batimento rápido e/ou irregular.

Por outro lado, assiste-se a uma retenção de sal e água nos rins de modo a aumentar o volume do sangue em circulação. Este facto pode provocar inchaços em vários locais do corpo, visíveis consoante a posição e a ação da gravidade: de pé, o líquido acumula-se nos membros inferiores; na posição deitada, localiza-se nas costas ou no abdómen. O aumento de líquidos é responsável por um maior número de micções (idas à casa de banho) durante a noite. Embora estes mecanismos possam, numa fase inicial, compensar a perda da função cardíaca, eles tendem a introduzir um esforço adicional e, como tal, contribuem para uma maior deterioração do coração, até que, a partir de um certo nível, deixam de ser eficazes.

Pode ocorrer também perda de apetite, tosse (por vezes crónica), farfalheira ou dor no peito.
Também há acumulação de fluidos nos pulmões e que se pode manifestar com dificuldade em respirar e falta de ar, que se agrava na posição deitada, obrigando os pacientes a dormirem sentados, com a cabeceira elevada ou a levantarem-se para irem para a janela. Esta acumulação de fluidos pode correr na barriga e causa aumento de volume da mesma.
 

Doenças associadas e causadoras de insuficiência cardíaca

A generalidade das doenças cardíacas pode provocar insuficiência cardíaca, mas uma das mais comuns é a doença das artérias coronárias. Estas estruturas são responsáveis por irrigar o músculo cardíaco. Se o seu funcionamento for afetado pode desencadear um enfarte do miocárdio e/ou causar doença crónica no coração.

Há também outras doenças muito comuns e que, quando não tratadas e controladas, podem causar insuficiência cardíaca, como a hipertensão arterial, a diabetes, o colesterol elevado, ou a obesidade. Nesse sentido, é muito importante o controlo destas doenças que são muitas vezes silenciosas e que, quando se manifestam, é com lesões que podem já ser irreversíveis, no coração, no cérebro, no rim ou em qualquer artéria do organismo.

Outras causas de insuficiência cardíaca são as miocardites (processos inflamatórios ou infecciosos do músculo cardíaco), a pericardite (inflamação da membrana que envolve o coração), as alterações nas válvulas cardíacas e alguns tipos de arritmias. Qualquer doença que provoque um aumento do consumo de oxigénio e de nutrientes pode exigir um esforço adicional ao coração, como por exemplo o hipertiroidismo ou as anemias. Se esta disfunção não for tratada, pode dar origem ao desenvolvimento de um quadro de insuficiência cardíaca.

Além destas patologias, a manutenção de estilos de vida pouco saudáveis, como o consumo excessivo de álcool, o tabagismo e o sedentarismo são igualmente fatores de risco para a insuficiência cardíaca.
Finalmente, o histórico familiar de doença cardíaca, ou a presença de alguma mutação genética que possa provocar a insuficiência cardíaca, são também aspetos a ter em conta.

 

Diagnóstico de insuficiência cardíaca

Alguns sintomas de insuficiência cardíaca podem ser confundidos com outras patologias. Nesse sentido, além do exame físico e da aferição da história clínica, é fundamental realizar exames complementares de diagnóstico de modo a avaliar a gravidade, o tipo de insuficiência cardíaca e qual a sua causa.

O Ecocardiograma permite caracterizar a espessura e rigidez do músculo cardíaco e a função do coração como bomba, assim como avaliar o funcionamento das válvulas cardíacas. Através deste exame podemos classificar o tipo de insuficiência cardíaca (com fração de ejeção reduzida ou com fração de ejeção preservada). Pode também ser prescrito um ECG - Electrocardiograma, Raio-X ao tórax, assim como Análises Clínicas (em particular uma específica para a insuficiência cardíaca que é o pro-BNP). Podem ser necessários exames mais específicos como o Holter, o TC-TAC das artérias do coração, a Ressonância Magnética específica para o coração e, nalguns casos, a realização de uma Angiografia.

Havendo a hipótese diagnóstica de insuficiência cardíaca, o paciente deve ser encaminhado para uma consulta de Cardiologia. Se se verificar uma insuficiência cardíaca aguda ou descompensada, o paciente poderá ter de ser hospitalizado e receber medicação por via intravenosa.
 

Tratamento: mudança de hábitos e terapêutica

Grande parte das estratégias terapêuticas visam gerir a doença, melhorar a qualidade de vida e reduzir a mortalidade associada à insuficiência cardíaca. Fundamental é adotar um estilo de vida saudável, que passa sobretudo pela cessação tabágica e pelo controlo da ingestão de sal que pode agravar a retenção de líquidos e  sobrecarregar o músculo cardíaco. A vigilância de níveis saudáveis de pressão arterial, colesterol e diabetes são também muito importantes.
A prática de exercício físico, desde que recomendada pelo Cardiologista, pode ter efeitos benéficos numa circulação sanguínea saudável, sendo o ideal a existência de um plano de reabilitação cardíaca.

Nos últimos anos houve um enorme desenvolvimento no tratamento farmacológico da insuficiência cardíaca, com melhoria da eficácia dos medicamentos usados no tratamento desta entidade. Existem 4 classes de medicamentos que reduzem a mortalidade da insuficiência cardíaca, com fração de ejeção reduzida, que alteram a sua progressão e podem reverter as alterações cardíacas, além da melhoria da qualidade de vida. Estes medicamentos devem estar sempre presentes, nas doses máximas toleradas, exceto se houver contraindicação ou efeitos secundários associados.

Pode ser necessária a utilização de diuréticos de modo a controlar a retenção de líquidos ou, em casos específicos, medicamentos antiarrítmicos ou  anticoagulantes (para prevenir embolias dentro do coração provocadas por coágulos).
A anemia e o défice de ferro associados à insuficiência cardíaca devem ser diagnosticados e, nos doentes com indicação, tratados com um tipo de ferro específico.

Dependendo da evolução e tipo de insuficiência cardíaca, poderá ter de se recorrer à colocação de dispositivos semelhantes ao pacemaker que ajudam o coração a contrair melhor e/ou tratam arritmias malignas que podem causar a morte.

Em casos selecionados o doente pode ter indicação para cirurgia, para realização de cateterismo ou para tratamento de doenças valvulares através de intervenções não cirúrgicas.
Quando a insuficiência cardíaca é muito grave e não responde à medicação, terá de se equacionar um transplante cardíaco, ao qual nem todos os doentes são candidatos.

 

Prevenção: é (sempre) a melhor aposta

A insuficiência cardíaca é uma doença grave que reduz os anos vividos e a qualidade como são vividos, sendo de diagnóstico e tratamento complexos e individualizado para cada paciente. No entanto, é importante perceber que, se o diagnóstico for atempado e se se detetar a doença numa fase precoce, as suas complicações podem ser evitadas ou mesmo revertidas.
O estilo de vida que levamos vai refletir-se na saúde do nosso coração. Manter uma atividade física consistente e seguir um regime alimentar equilibrado, como a Dieta Mediterrânica, pode ajudar a prevenir a insuficiência cardíaca mesmo em alguns casos de pacientes que já tenham tido um enfarte do miocárdio.
Outros dos fatores de risco já enumerados são o tabagismo, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas e também o stress, sobretudo na sua forma crónica. Se a estas condicionantes ainda juntar patologias como a diabetes, obesidade, dislipidemia, hipertensão ou aterosclerose (endurecimento e obstrução arterial), está a trilhar um caminho perigoso. Marque uma consulta com o seu médico Cardiologista e oiça e sinta o seu coração.

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Carla Matias

Cardiologista