A ciência do amor: porque nos apaixonamos?

data de publicação12 Fevereiro 2024 autor do artigo
Ricardo Caetano  |  Psiquiatra

A paixão e o amor não conhecem a razão. A sua natureza é instintiva. Uma vez reunidos os estímulos certos, ocupam o pensamento e a motivação de quem está apaixonado, num estado semelhante a uma “adição ou dependência”, que procura a recompensa de ser correspondido. Existem muitos estudos que procuram explicar a fisiologia da paixão e do amor. Apesar de não termos respostas definitivas, encontraram-se padrões nos cérebros e nos corpos dos apaixonados. Vejamos algumas tentativas científicas de explicar a fisiologia do amor.
 

Desejo, atração e ligação: as 3 fases do amor

Um grupo de cientistas realizou um estudo no qual fizeram Ressonância Magnética a várias pessoas apaixonadas. Mostraram-lhes fotografias da pessoa amada e observaram atividade cerebral na parte direita da área tegmental ventral e no corpo póstero-dorsal direito do núcleo accumbens, zonas do cérebro relacionadas com o sistema do prazer, recompensa e motivação. A partir destas observações, estes cientistas propuseram 3 fases para a construção do amor: desejo, atração e amor.

Fase 1: desejo

O desejo é motivado pela gratificação sexual e deriva da necessidade de nos reproduzirmos e perpetuar a espécie. O hipotálamo desempenha um papel central através da estimulação da secreção da testosterona e do estrogénio, via o eixo hipotálamo-hipófise-gonadal. O desejo sexual parece fazer “desligar” as áreas do cérebro, incluindo zonas do córtex pré-frontal, responsáveis pelo pensamento crítico e racional e pela consciência pessoal. Por outras palavras, o desejo torna-nos “menos inteligentes”. No entanto, não é tão forte como o poder da atração e da paixão.

Fase 2: atração

A atração está intimamente relacionada com os mecanismos de recompensa do cérebro mediados pela secreção de dopamina. Este neurotransmissor ativa o sistema de recompensa do cérebro quando estamos na presença da pessoa amada. Níveis elevados de dopamina favorecem a libertação de norepinefrina, neurotransmissor que nos dá mais energia e euforia, e a redução da libertação da serotonina, neurotransmissor que, quando em níveis baixos, está relacionado com a perda de apetite e estados de maior ansiedade.
A fase da atração, ou da paixão, é caracterizada por um grande desgaste físico e emocional. Com o decorrer do tempo, o organismo vai-se habituando à secreção destes neurotransmissores, através de processos de regulação, e as coisas “acalmam”, com passagem à fase seguinte.

Fase 3: ligação

A ligação é o fator preponderante nas relações de longo-termo. É nesta fase que é construída a intimidade, motivando os indivíduos a permanecerem juntos o tempo suficiente para poderem cumprir as tarefas parentais. O principal neurotransmissor envolvido nesta fase é a oxitocina, hormona produzida pelo hipotálamo e conhecida por estimular a ligação entre a mãe e o recém-nascido, mas também presente nas relações de amizade profunda, na relação com os filhos e entre o casal.

 

Há escolhas no amor? Porque nos apaixonamos?

Existem inúmeras justificações para nos apaixonarmos por uma pessoa e não por outra. Se, por um lado, o pensamento e a cultura têm um peso importante, há uma componente biológica que não pode ser negada. O equilíbrio e o estímulo de neurotransmissores como a dopamina e a serotonina, e de hormonas como a testosterona e o estrogénio no cérebro, podem ser determinantes. Mas existem outros indicadores biológicos que podem fazer despertar a paixão e o amor, se a sua combinação for a certa:

O cheiro

Tal como os neurotransmissores e as hormonas, as feromonas (substâncias químicas produzidas fora do corpo) presentes no suor e fluidos corporais podem ter o seu papel na atração. As mulheres, por exemplo, podem preferir odores nos homens que sejam, não só compatíveis com os seus, mas também indicativos de resistência à doença, sinais de um bom património genético, garantia de bebés fortes e saudáveis.

Semelhanças connosco

Costuma-se dizer que os extremos atraem-se, mas é inegável que muitos de nós sentimo-nos atraídos por pessoas semelhantes, cuja personalidade é compatível com a nossa, e com as quais partilhamos um sistema de valores e crenças semelhante.

Aparência física

Não é, definitivamente, um fator decisivo na química da atração, mas a boa aparência e a procura por faces simétricas pode constituir a demanda, mais ou menos subconsciente, por bons genes para a reprodução e para a descendência. Do mesmo modo, a procura de um índice de massa corporal ou por uma percentagem de gordura corporal saudáveis podem ser sinais de boa saúde e fertilidade do parceiro.


Desgostos de amor que se refletem no organismo

Se quando somos correspondidos o amor é a recompensa, quando somos rejeitados podemos entrar numa síndrome de abstinência semelhante à adição por drogas. Quando uma relação termina ou não é correspondida, a dopamina que é segregada ao pensarmos na pessoa amada não encontra a sua recompensa, conduzindo a uma redução da serotonina típica dos estados de ansiedade e de depressão.

Existe ainda uma condição cardíaca denominada síndrome do coração partido. Apesar de ser extremamente raro, há casos de pessoas que apresentam sintomas semelhantes ao enfarte agudo do miocárdio, verificando-se depois que não têm qualquer artéria coronária entupida. É um fenómeno relacionado com grande stress emocional e pode estar relacionado com a libertação de cortisol (hormona do stress), sendo mais comum nas mulheres do que nos homens.
 

Somos também um produto da nossa experiência

É inegável a influência dos neurotransmissores na escolha de um parceiro, mas naturalmente que não podemos dissociar estes mecanismos do corpo e da mente das vivências que tivemos ao longo da vida. As nossas experiências na infância, traços de personalidade, impacto de patologias do foro psiquiátrico e/ou neurológico (esquizofrenia ou doença de Parkinson, por exemplo), assim como dependência de substâncias psico-ativas, são aspetos que têm um impacto direto na forma como nos apaixonamos e relacionamos com os nossos parceiros.
Todos procuramos um parceiro que nos respeite, em quem possamos confiar, que seja nosso confidente, que nos faça rir, que tenha tempo para nós e que achemos fisicamente atraente. Estas são características que, na (i)lógica da paixão e do amor, podemos assumir como consensuais.

Autor do artigo

Ricardo Caetano

Psiquiatra