Sequelas da COVID-19 no coração

data de publicação19 Maio 2021 entrevista a
Carla Matias  |  Cardiologista

As sequelas da COVID-19 no coração preocupam a comunidade médica e científica. À medida que se vai conhecendo mais acerca do impacto causado pelo vírus SARS-CoV-2 no organismo, maior atenção é dada a órgãos como o coração, o qual deve ser vigiado sobretudo entre doentes cardíacos que tenham contraído a infeção. A COVID-19 é uma infeção sistémica, e a nível do sistema cardiovascular têm-se observado sequelas como miocardites, arritmias cardíacas ou insuficiência cardíaca, além de danos colaterais à saúde do coração fruto de insuficiência respiratória provocada pela doença.
A Drª Carla Matias, Cardiologista na Cintramédica, aponta quais as principais sequelas da COVID-19 no coração, quais os sintomas e como é construído o diagnóstico que permite a monitorização da saúde do coração em tempos de pandemia.

 

De que forma pode a COVID-19 afetar a saúde cardíaca?

O vírus pode afetar o coração de forma direta, ou seja, a doença e a resposta do organismo à COVID-19 podem afetar o coração. Além disso, as pessoas com doenças cardíacas crónicas como a hipertensão, a diabetes, as que já tiveram alguma doença cardíaca, como um enfarte, ou já fizeram uma cirurgia ou procedimento cardiovascular, assim como as que têm insuficiência cardíaca, têm mais risco de uma doença mais grave. Por outro lado, a infeção também pode afetar negativamente a evolução destas doenças.

 

Como é que o vírus da COVID-19 afeta o coração?

O vírus pode causar uma inflamação do músculo cardíaco (miocardite, ou seja, inflamação da membrana que envolve o coração), ou pericardite (acumulação de líquido no coração), manifestações estas que podem ser muito graves. Além disso, a COVID-19 é uma doença inflamatória e tromboembólica, ou seja, com aumento de risco de formação de trombos e embolias a nível cardiovascular mesmo após a cura, como por exemplo o tromboembolismo pulmonar ou os enfartes. O risco de tromboembolismo associado à COVID-19 é muito mais elevado do que o associado à vacina, que é residual.

 

É possível que uma pessoa que tenha tido uma infeção ligeira ou moderada por COVID-19 tenha sequelas ao nível da função cardíaca?

Sim. Mesmo infeções ligeiras ou moderadas podem ter envolvimento cardiovascular e deixar sequelas. Esta é uma doença com muito ainda por descobrir e não sabemos ainda os seus efeitos a longo prazo na saúde cardiovascular.

 

Quais são os sinais e sintomas de alerta aos quais deve estar atento quem esteve infetado com COVID-19?

O cansaço é um sintoma quase universal nos doentes sintomáticos e pode ter origem no coração, principalmente quando se manifesta como falta de ar. As palpitações também são frequentes e podem ser manifestações de doença cardíaca. As dores no peito, principalmente as de tipo aperto, peso ou queimadura têm de ser valorizadas. Outra sintomatologia a que temos de estar atentos são as pernas inchadas, a falta de ar noturna, as tonturas e os desmaios.

 

Que exames podem ser prescritos para o diagnóstico de sequelas cardíacas decorrentes da COVID-19?

A avaliação mais importante (e que vai ditar que exames serão necessários realizar) é a avaliação clínica. Habitualmente, de acordo com os sintomas apresentados, prescrevemos exames não invasivos que nos vão permitir avaliar a estrutura e função do coração, como o Electrocardiograma (ECG) e o Ecocardiograma. Nalguns casos, como por exemplo na presença de palpitações, podemos prescrever um Holter, que é um exame que regista a atividade elétrica do coração ao longo de 24 horas. Pode haver também indicação para a prescrição de uma Prova de Esforço para avaliar o comportamento do coração ao esforço.

Habitualmente, são pedidas também análises gerais e, por vezes, análises específicas para as doenças cardíacas, como a troponina ou o pro BNP.

Por outro lado, e após os resultados dos primeiros exames, pode ser necessário requerer uma Ressonância Cardíaca, uma TAC das artérias coronárias ou mesmo um Cateterismo Cardíaco.  Adicionalmente, muitas vezes temos de pedir exames não cardíacos como uma TAC ao tórax ou Provas de Função Respiratória.

 

Para uma pessoa seguida em Consulta de Cardiologia e que teve diagnóstico de COVID-19, quais as medidas preventivas que deve adotar?

Deve adotar um estilo de vida saudável, vigiar e tratar as suas doenças crónicas ainda de forma mais cuidada do que o habitual, de modo a que estas estejam controladas para evitar os efeitos a longo prazo no sistema cardiovascular e a descompensação de doenças pré-existentes. Logo que seja possível, e de acordo com as regras da Direção-Geral da Saúde, deve ser vacinado contra a COVID-19.

 

A adoção de comportamentos saudáveis, como uma alimentação equilibrada ou a prática de exercício físico, podem ajudar a prevenir sequelas cardíacas decorrentes da COVID-19?

A adoção destas medidas é aplicável aos que não têm doença cardíaca e a todas as doenças cardíacas, sendo uma das recomendações com um impacto mais positivo na saúde das pessoas. Para quem foi infetado com COVID-19 é, seguramente, ainda mais importante optar por comportamentos saudáveis, uma vez que esta é uma doença que envolve todo o sistema cardiovascular e da qual ainda não temos conhecimento dos seus efeitos a longo prazo.

Entrevista a

Carla Matias

Cardiologista